[Este texto tem spoilers da primeira e da segunda temporada de Wayward Pines]
O vazamento de informações sigilosas sobre o governo norte-americano por figuras como Julian Assange e Edward Snowden mostraram que a Era Obama não foi marcada somente por flores. Embora tenha reconhecido os direitos das minorias, investido em projetos sociais e ampliado o diálogo com outras nações, o governo do democrata também evidenciou um lado sombrio dos Estados Unidos, cheio de segredos de Estado e de uma constante vigilância sobre os cidadãos.
Esse lado obscuro do período em que Barack Obama ocupou a cadeira presidencial parece ser o tema central da primeira temporada de Wayward Pines, série produzida por M. Night Shyamalan. Atualmente fora do ar (sem muitas chances de retornar para um terceiro ano por causa da baixa audiência), o programa acompanha um agente do serviço secreto, vivido por Matt Dillon, que acorda em uma cidade idílica do interior dos Estados Unidos após um acidente de carro.
Aos poucos, descobrimos que o local é cercado por câmeras, que fiscalizam se a população segue uma série de regras rígidas de convivência. Há também um enorme muro que isola essa sociedade do mundo exterior, povoado por monstros humanoides.
A premissa pouco inspirada evidentemente empresta ideias de Twin Peaks e Lost, por guardar uma revelação surpresa para o público. Por conta dessa associação, relutei em assistir ao piloto, exibido em 2015. Seriados de mistérios parecem hoje excessivamente datados e têm pouco a oferecer dramaticamente. Por sorte, o enredo rapidamente se revela como uma história de horror, focada em criaturas sangrentas e metáforas políticas.
Lá pelo sexto episódio da primeira temporada, a trama evidencia seus segredos. A cidade é um experimento de um milionário, interpretado por Toby Jones, que sequestrou boa parte dos moradores e os colocou para dormir no início século 21, quando descobriu que uma mutação genética iria transformar os humanos em aberrações monstruosas. A trama se passa de verdade no ano de 4.029.
Wayward Pines parece processar o mundo pós 11 de setembro, isolando-se dos inimigos, mas sem prever o aparecimento de ameaças internas.
Por meio de mentiras, das câmeras de segurança e das punições públicas, a cidade é controlada pelo personagem de Jones. Quando descobre a verdade, o agente da CIA aceita que deve defender a cidade de ameaças internas, que, por ignorância, planejam derrubar o muro que os separa das supostas verdadeiras ameaças.
Wayward Pines repete temas de A Vila (2004), de Shyamalan, ao pensar o refúgio humano como um lugar fechado. Ambas as produções parece processar o mundo pós 11 de setembro, isolando-se dos inimigos em uma idealizada utopia, mas sem prever o aparecimento de ameaças internas.
Como nos Estados Unidos de Obama, a série brinca com a ideia de controle e paz. Jones é carismático e discursa em diversos momentos sobre a necessidade de conter a verdade em prol de um bem maior. Olhar para o que as pessoas estão fazendo pode garantir o futuro dessa nova comunidade.
Não há vilões muito claramente definidos em Wayward Pines. Mesmo as criaturas monstruosas, que lembram os seres humanoides de Abismo do Medo (2005), têm lá seus motivos para atacar os moradores da cidade, como é revelado na segunda temporada.
A trama do novo ano, aliás, mostrou a ascensão de um governo autoritário na cidade, comandado por um jovem ditador, vivido por Tom Stevens. Militarista, o personagem lidera uma sociedade dividida e desconfiada. Propõe que o inimigo está lá fora. Toma ações populistas. Sugere reforçar e expandir os muros, como um típico agente imperial. É machista e herdeiro de riquezas. Uma representação bem precisa de Donald Trump.