Esta semana, aos 71 anos, saiu de cena Elke Maravilha, figura emblemática da cultura brasileira. Elke era pop, rock, erudita, rastafari, fashion, kitch, elegante, cafona.
Um mix de influências e devoções resumido numa estética peculiar, independente do tempo e da moda. Dizer que ela era a nossa Nina Hagen ou – para os mais novos – a nossa Lady Gaga, no entanto, é resumir Elke ao seu invólucro anarcoprovocador.
Nascida em Leningrado (antiga União Soviética), Elke Georgievna Grunnupp era filha de uma alemã com um russo, que teve de fugir do regime da Stálin com a família para o Brasil.

Ainda muito jovem atuou como modelo já exibindo a peculiar desenvoltura e bom humor. Trocou a sisudez das manequins do Copacabana Palace pelo sorriso, beijinhos, gestos.
No início dos anos 70, foi chamada para ser jurada do programa do Chacrinha, personalidade já muito popular no Brasil. E foi sentada entre Pedro de Lara e o Rei Momo Edson Santana, em plena ditadura militar, que Elke virou a namoradinha “assanhada” do Brasil. Não entenda assanhada como vulgar. De recatada e do lar ela não tinha nada, mas nunca posou nua, por exemplo, uma prática comum entre as famosas da época.

Elke forjou uma figura espalhafatosa, colorida, maquiada. Assumiu o papel de anticareta nacional.
No alto dos seu 1,77 m e mais alguns centímetros de plataforma, Elke forjou uma figura espalhafatosa, colorida, maquiada. Assumiu o papel de anticareta nacional.
A vasta cabeleira entrava antes na tela como o prenúncio de um show à parte. Faria do visual um work in progress – mais tarde a sombra colorida chegaria até a sobrancelha e o cabelo ganharia outras versões.
“Boa noite, criançada”! Chacrinha virou “painho” e os calouros “bebês”, que Elke mimava e queria levar pra casa. Elke gostava das pessoas. Nos bastidores atuou na proteção das prostitutas e pela erradicação da lepra.
Com a fama vieram convites para o cinema e comerciais de TV. Elke estava nas capas de revista com sua irreverência, sem papas na língua. Um episódio no aeroporto Santos Dumond em defesa do filho da amiga Zuzu Angel lhe rendeu alguns dias de prisão e a perda da cidadania brasileira.
Intuitiva, sempre tinha algo interessante e sensato para dizer. Vivia do trabalho e dos royalties da marca de cosméticos Elke. E até pouco tempo aceitava os mais variados convites, desde abrilhantar festas LGBTs até cantar em russo para a trilha sonora de um desfile com sua voz grossa e rasgada.
Elke contou em entrevistas que muito jovem já não queria ser igual aos outros. “Por que não posso fazer de mim uma obra de arte?”. O hábito de incorporar nas próprias roupas patuás, santos, amuletos e objetos do cotidiano a acompanhou até o fim.
Há 30 anos confeccionava um colar que, dizia, só terminaria quando ela morresse – como pingentes, uma Nossa Senhora, pá de bolo da mãe, medalha da maçonaria do pai…
Não tinha medo de assustar os homens – teve oito casamento. E para os que perguntavam porque ela exagerava tanto, dizia: “As pessoas têm coragem de matar, mas não têm coragem de se enfeitar”. Não tinha medo de envelhecer, gostava dos aniversários. Uma sábia conclusão para quem viveu cada fase da vida tão intensamente.
“Na realidade, sempre fui um trem meio diferente, sabe? Ainda adolescente resolvi rasgar a roupa, desgrenhei o cabelo, exagerei na maquiagem e sai na rua… Levei até cuspida na cara. Mas foi bom porque entendi aquela situação como se estivessem colocando-me em teste. Talvez, se meu estilo não fosse verdadeiramente minha realidade interior, eu teria voltado atrás. Mas sabia que nunca iria recuar. Eu nunca quis agredir ninguém! O que eu quero é brincar, me mostrar, me comunicar.”
Elke Maravilha 1945 – 2016
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