A conversa com Luan Valloto quebra o ritmo rápido com que costumo dar conta das tarefas do dia. Ele chega, faz um comentário agradável sobre o entorno e senta-se para contar sua história compassadamente. É um rapaz jovem, apostei na hora – depois viria saber que tem 25 anos –, mas a barba fechada lhe confere um ar cerimonial. Tento enquadrá-lo mentalmente num estilo. Hipster? Hippie? Cool? Vintage? Por que é que a gente está sempre tentando colocar as pessoas em gavetas?
Após trabalhar por alguns sete anos para a indústria da moda e não gostar do que presenciou, Luan optou pela antítese disso: trilhar um caminho autoral e ecologicamente sustentável. Além de criar a marca NOSSA Roupa que conta história, que estreou com uma coleção de acessórios feitos com materiais que não agridem o meio ambiente e trabalho manual como bordado e crochê, ele criou um sistema de cocriação, no qual a pessoa que encomenda a peça é convidada a participar da sua concepção.
Formado em moda pela UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Apucarana, e pós-graduado em Gestão de Moda pelo Senai, Luan formou um sólido embasamento teórico para sua atuação na chamada moda ética. Por meio do projeto que leva no tablet nos convence matematicamente de que não é racional usar uma camiseta de algodão que consome 2 mil litros de água para ser produzida. Quando trabalhou para uma fábrica de moda praia ficava indignado com a qualidade e quantidade do descarte gerado, a ponto de promover uma espécie de “contrabando” de Lycra para marcas que trabalham com upcycling (os patrões não queriam que ele perdesse tempo para dar um fim melhor para o que consideravam ser “lixo”). Sobre a Lycra, uma nota: derivado do petróleo, trata-se de um material altamente poluente e que demora décadas para se decompor.
Fatos assim formaram o repertório de Luan, que hoje também atua como professor no curso de Design de Moda da Universidade Positivo, onde também, confessa, tenta plantar a semente do ecodesign e do slow fashion na formação de novos profissionais.
Nascido em Sabaudia, interior do Paraná, filho caçula de um agricultor com uma pequena empresária, Luan cresceu com a máquina da fabriqueta de lingerie da mãe na linha dos olhos. Logo, por intermédio dela, começou a costurar roupinhas para os bonecos de ação. Um começo clássico para um desfecho sem o habitual pacto comercial que se tem de fazer para entrar no mundo da moda.
Suas peças têm invariavelmente um componente inusitado (um colar de fios com pingente de suculenta!) e a interferência do trabalho manual.
Suas peças têm invariavelmente um componente inusitado (um colar de fios com pingente de suculenta!) e a interferência do trabalho manual, seja feito sob encomenda para um grupo de fornecedoras anciãs, seja pela incorporação de guardados como aquelas toalhinhas de crochê do enxoval das moças casadoiras. Ele mesmo gosta de bordar, geralmente em locais abertos – mato, parque, praia…
Em Luan, o talento para a contemplação da natureza se une ao rigor com a pesquisa de matérias-primas e métodos de produção. O primeiro reconhecimento veio ainda na faculdade quando ganhou o Prêmio João Turin, interpretando a obra de Potty Lazzaroto. Já no mercado, percebeu a indústria o afastava do desenho e do fazer com as mãos, então fez o retorno como estilista solo, sem concessões. Seu trabalho tem como princípio a valorização do trabalho manual e ancestral, a utilização de fibras e tingimentos naturais e a minimização do impacto ambiental. E suas roupas refletem isso em conforto, atemporalidade e tiragem limitadas, quando não peças únicas. Os desenhos das estampas são feitos por ele, inspirados nas formas orgânicas da natureza.
A ideia, segundo ele, é despertar no consumidor um olhar mais refinado sobre o processo da roupa. Para isso, escreve tags e até cartas para contar a história de cada peça. Sonho? Viagem? Luan chama de projeto de vida. “Mais do que ganhar dinheiro, penso em conquistar ganhar qualidade de vida pra mim e para as artesãs”, diz.
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