Em tempos de internet, todo mundo sabe tudo, ou, pelo menos, não pergunta nada a ninguém. Quem se der ao trabalho de digitar o termo “fashion week” no Google vai descobrir que existem mais de 130 semanas de moda espalhadas pelo mundo.
A menos que você queira gastar um ano de sua vida seguindo esse excêntrico calendário, vamos abreviar. As semanas de moda mais importantes são promovidas nas conhecidas capitais da moda: Nova York, Londres, Milão e Paris.
Elas reúnem as marcas mais valiosas do planeta e ditam o ritmo e as regras que mais cedo ou mais tarde chegarão aos demais eventos.
As fashion weeks foram criadas para mostrar à indústria e à imprensa especializada o que vai estar em voga na próxima estação. Sim, o calendário da moda gira diferente do calendário da Terra – nos principais polos da moda, os shows de Alta Costura e Prêt-a-Porter (pronto para vestir) são apresentados com seis meses de antecedência em relação ao momento em que as pessoas poderão tocar nessas roupas. Não, os fashion shows não são abertos ao público em geral, ou pelo menos originalmente não eram.
A coisa começou a mudar de pretinho básico de uns tempos pra cá. A internet alterou toda a engrenagem da moda, expondo o calendário estabelecido durante décadas a total obsolescência.
Não adianta mais fazer um desfile de portas fechadas, se o fotógrafos e cinegrafistas do pit e as bloggers da primeira fila com seus smartphones estão pendurados no wi-fi – a fenda foi aberta e não será mais fechada.
O modelo clássico de desfiles não funciona mais, simplesmente porque esses shows podem ser acompanhados simultaneamente pela internet. Bastidores, fotos de modelos, pós-desfile, tudo caiu na rede social.
Poder consumir algo que já se viu exaustivamente quatro, seis meses depois – e pagar um preço de lançamento por isso – não parece nada atraente. O consumidor plugado e informado quer aquela roupa pra agora. Agora não, já!
A internet alterou toda a engrenagem da moda, expondo o calendário estabelecido durante décadas a total obsolescência.
Marcas globais como a Burberry perceberam a discrepância e estão correndo atrás do prejuízo. A grife da Terra da Rainha vai passar a disponibilizar as coleções logo após o fashion show em Londres.
Ao que parece a Burberry está puxando outras gigantes como Versace, Marc Jacobs e Tommy Hilfiger rumo a este futuro que leva em consideração os desejos imediatistas dos consumidores.
O Brasil teve uma resposta rápida ao esquema “see now, buy now”, até porque nossa agonizante economia pede medidas que joguem ao menos um refletor no final do túnel.
Mentor e organizador da São Paulo Fashion Week, Paulo Borges anunciou no início de mês de março que a SPFW adotará este novo modelo a partir de 2017. Por conta da mudança futura, algumas marcas anunciaram que vão pular 2016 para um rearranjo de suas coleções.
Outras embarcaram no transatlântico fashion novamente por causa da mudança do sistema azeitando um novo espaço no mercado. É o caso da marca de moda praia Rosa Chá, que voltou para o comando de sua criador Amir Slama, um dos caras que colocou os biquínis e maiôs brasileiros no mapa da exportação.
Últimos românticos
Nem todo o pragmatismo da era digital, no entanto, foi capaz de abduzir algumas marcas icônicas. A Gucci – e as etiquetas de luxo do conglomerado que ela encabeça – já anunciou que os fãs vão continuar esperando seis meses para comprar as peças que eles amaram na passarela. Os representantes da marca declararam que a proposta nega o sonho de luxo e que a espera é essencial para criar o desejo pelas suas grifes.
A ironia de tudo é que o calendário da moda começa a seguir a lógica do hoje malhado sistema fast fashion – controverso não apenas por seu caráter parasitário, mas também pelo método de produção que muitas vezes utiliza trabalho escravo e semi-escravo.
Essa famigerada indústria que sempre lucrou com o intervalo entre o fashion show e o lançamento na loja – produzindo desenfreadamente cópias ordinárias e baratas – terá de concorrer com as originais sem o fator tempo deslealmente ao seu favor.
Quando o segredo das coleções passou a ser divulgado amplamente em tempo real, algo se desequilibrou no sistema e a resposta começa a surgir. A moda descendo do salto, caindo das nuvens, se verticalizando. Mas não é assim que as maçãs se ajeitam no balançar da carroça?
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