O livro da jornalista Adriana Carranca Malala: A menina que queria ir para a escola (Companhia das Letrinhas, 2015) é uma versão de uma história real que envolve confronto e ação política, só que voltada para o público infantil. A autora narra o que passou para chegar na terra onde Malala Yousafzai vivia – em Mingora, no Vale do Swat, no Paquistão -, o que o lugar representa e como vivem lá, além de contar o aconteceu no local em 2012, quando a protagonista da história sofreu um atentado a tiro por atuar politicamente em defesa da educação universal.
O livro é rico em informações, contextualiza bem o que aconteceu e tem ilustrações atrativas. É literatura infantojuvenil de alto nível, que pode conectar as crianças com os seus direitos. A história de Malala aconteceu do outro lado do mundo, mas podemos traçar um paralelo com o que acontece com as crianças em todos os lugares.
A região onde Malala vivia estava dominada pelos Talebans, grupo religioso extremista que, entre outros desmandos, também proibiu que as meninas estudassem. Malala não aceitou. Ela era filha de professor e acompanhava o pai na militância pela educação. Teve apoio da família para continuar lutando pelo que acreditava e foi responsável por divulgar informações sobre o que acontecia no Vale do Swat sob o jugo do Taleban.
‘Diga à meninas de todo o mundo que se tornem Malalas e lutem por educação até que todas possam ir à escola’ (p. 75)
Não estamos sob o domínio de radicais (ainda não, pelo menos…), mas como tratamos as crianças e adolescentes que se manifestam pelo que querem por aqui? Sobre a educação, por exemplo: em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e em outros estados brasileiros, adolescentes que acreditam na causa da educação – assim como Malala acreditou – lutam e, para isso, ocuparam as escolas estaduais. E como o mundo adulto lida com isso? Embora a história da menina paquistanesa tenha reverberado por todo lugar, no seu próprio país, ela foi desacreditada.
Além da educação, nossas crianças têm outros direitos e precisam saber que podem e devem lutar por eles. A história da Malala é uma bela inspiração. Crianças e adolescentes precisam ter voz e se fazer ouvir. Muitas vezes, a ação política e o empoderamento infantil é uma clara herança dos pais, como no caso da Malala e, por exemplo, da MC Sofia, garota que canta sobre racismo e feminismo: teve influência da mãe e avó, mulheres ativistas do movimento negro.
O despertar das crianças para seu próprio empoderamento também deve partir dos pais, quando dão ouvidos aos filhos, quando deixam que façam escolhas e explicam o que acontece no mundo. Crianças precisam de explicações verdadeiras e de empatia, não de distanciamento ou exclusão social.
Minha experiência nesse campo ainda é oriunda de curto período. Mas já é um exercício diário de readequação do próprio ego entender que até um bebê tem preferências e precisa de liberdade para defendê-las. Adultos precisam ser capazes de entender isso e, na medida do possível, respeitar a infância.
Guardadas as devidas proporções: há dias em que não quer comer arroz e feijão, mas aponta loucamente para a goiaba na fruteira. Não se interessa pelo brinquedo que eu apresento, mas vê muito mais graça em tirar todos os potes de plástico do armário.
Em proporção muito menor, são escolhas que precisam ser respeitadas, que têm consequências que são pacientemente e exaustivamente explicadas: não posso obrigar ninguém a comer nem a brincar com o que eu acredito ser melhor. Aos poucos, parece que sou entendida.
Pretendo levar esse exercício adiante, até que minha filha possa ler o livro da Malala e entender do que se trata. Até lá, espero que ela se sinta livre para fazer escolhas, para defender o que acredita, e possa entender que haverá, comigo, na sua educação e na vida em sociedade, condições negociáveis e outras não. Mas, principalmente, espero até lá ter ouvido e sensibilidade treinados para não minar sua individualidade e escolhas.
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