As garrafas formam um tapete de plástico sobre o rio, numa parte em que o Iguaçu é mais magrinho e a piazada atravessa fácil daqui ali. Brincam de Jesus caminhando sobre as águas no leito colorido, cheio de coliformes e milagres.
Da rodovia logo acima, os motoristas só enxergam pequenos vultos de uma infância feita de sábados infinitos.
Um dos garotos vem correndo, dá um passo, dois, quase três e some no meio do plástico, reaparecendo só lá no meio onde ainda dá pra ver a água. Se cagam de rir uns dos outros até a barriga doer sem ser só de fome.
E aí o riso tropeça em suas bocas, pois vem boiando, junto com um sofá e uma sacola de supermercado, um corpo.
Só o som da correnteza.
O rosto está meio afundado, mas todos reconhecem a camiseta do Paraná Clube toda puída e o cabelo descolorido. Achavam que ele tinha ido embora, fodido de dívidas, tava cuidando de carro no centro de Curitiba. Havia nadado com eles ali mesmo, não tinha nem um mês.
Ninguém corre, ninguém grita, ninguém chora, ninguém porra nenhuma.
O tempo para e o rio vai indo, indo. O corpo inchado singra as garrafas, as latas, a espuma. O horizonte afunila a vista até eles não terem mais certeza se ainda estão vendo o amigo morto ou se agora estão apenas imaginando ele desaparecer aos pouquinhos.
O horizonte afunila a vista até eles não terem mais certeza se ainda estão vendo o amigo morto ou se agora estão apenas imaginando ele desaparecer aos pouquinhos.
Um quero-quero parte o céu ao meio fazendo o escândalo de sempre e aí alguém repara que o alaranjado lá do outro lado do viaduto já está meio borrado de preto. Tá tarde, galera, melhor vazar.
Em silêncio, vestem os shorts por cima das cuecas encardidas e colocam as camisetas que ficam grudando nos corpos ainda úmidos. Empurram suas bicicletas pelo carreirinho no meio do mato, atravessam o campo de futebol e voltam para suas casas.
No dia seguinte, os motoristas e passageiros entediados que olharam lá pra baixo em busca de paisagem só enxergaram o filete de rio e a sujeira nas margens. O quero-quero não apareceu, tampouco o milagre.