Quando uma pessoa perde a cabeça, não significa que ela foi decapitada igual ao Ned Stark do Game of Thrones. Bem, na verdade pode ser que signifique exatamente isso, mas vamos nos concentrar (caso a sua cabeça ainda esteja aí) no sentido metafórico da coisa. Estamos pensando aqui mais naquele sentido de perder a cabeça tipo o Michel Douglas de óculos e gravatinha e submetralhadora tentando comprar um fast food naquele filme.
Pois bem, as situações que nos levam ao limite (debater política com a tia reacionária, cancelar uma TV por assinatura ou tomar um spoiler de série como o da primeira linha desse texto, por exemplo), costumam fazer com que a nossa cabeça desapareça e passemos a agir como o corpo descontrolado de uma galinha que corre pra lá e pra cá ignorando o pescoço destroncado.
Esse é aquele momento perigoso em que você está sujeito a cometer um Textão no Facebook ou a xingar muito no twitter. Aquela ortografia lamentável destas situações tão intensas não ocorre porque você gazeou aula pra jogar Cadilac Dinossauro na quinta série, mas sim porque a sua cabeça não está mais lá, só que você ainda não percebeu.
Você é só uma galinha com o pescoço destroncado.
É mister esclarecer que perder a cabeça é diferente de esquecê-la em algum lugar. Ultimamente a gente quase não levanta a bunda da cadeira, mas gosta de dizer que a vida é muito “corrida”. De tanto correr parado, o cérebro fica sobrecarregado e falta água no radiador do nosso GPS interior. Quando esse fenômeno ocorre, é comum o cidadão caminhar apressadamente por um corredor da firma e, ali no meio, do nada, parar no acostamento perto da máquina de xeróx tentando lembrar para onde diabos ele estava indo. É como perder os óculos que por acaso está dependurado bem ali na sua fuça.
Ultimamente a gente quase não levanta a bunda da cadeira, mas gosta de dizer que a vida é muito ‘corrida’.
Dia desses fique quase meia hora (minha mulher diria que foram trinta e quatro minutos, precisamente) procurando pela chave do carro. Se ela não estava no lugar de sempre, era bastante claro para mim que algum fenômeno paranormal ou extraterrestre havia acontecido. “Não é possível, eu tenho certeza absoluta que a deixei aqui no braço do sofá”, disse eu com a metade do corpo embaixo do sofá, com as mãos tateando naquela escuridão feita de teias de aranha, amendoim embolorado, canetas, comprovantes de pagamento de cartão de débito do ano passado, papel de bala e nenhuma chave de carro.
Revirei os bolsos de todas as roupas que usei naquela semana, abri os armários de comida e cheguei a dar uma conferida atrás do vaso sanitário. Nada da chave. Tive que aceitar que São Longuinho não estava do meu lado e então apelei para a chave reserva, a qual não estava à vista de alienígenas, então não poderia ter sido abduzida. Lá estava ela no lugar de sempre. Ah, o conforto do Lugar de Sempre.
Fiquei apenas moderadamente feliz com essa pequena vitória, pois ainda havia um fator incômodo da coisa mal resolvida pairando no ar, mais ou menos como um atleta que só ganhou o ouro, porque o primeiro colocado caiu no doping três meses depois. Segui rumo ao carro em meio a essa profunda reflexão e quando cheguei ao estacionamento, uma surpresa: sob a leve brisa de uma manhã ensolarada, lá estava ela, brilhando com todo o seu esplendor metálico para todo mundo do condomínio ver: a porra da chave. Pendurada, vejam só que danada, na porta do carro. Estranho que eu não tenha deixado nenhum bilhete do tipo “Senhor ladrão, hoje é o seu dia de sorte” ou coisa do tipo, quando tranquei o carro na noite anterior.
Naquele momento eu quase perdi a cabeça. Só não perdi, porque não sabia onde ela estava.