Quando vi o menino, ele ainda não estava chorando. Estávamos saindo de uma churrascaria e havia uma confusão de carros e pessoas. Era domingo e um cavalo achou de empacar na saída de veículos bem na hora de maior movimento.
Na beira da rua, um homem pouco sóbrio andava de um lado para o outro com um chicote na mão. Resmungava e cuspia palavras desconexas. Não era tão velho, mas o estado deteriorado de suas roupas e o cansaço em seu rosto roubavam-lhe pelo menos uns 10 anos. No outro canto, perto do cavalo e ao lado do carrinho cheio de lixo reciclável, estava um menino quase da minha idade.
Enfiado em um pijama muito sujo e que provavelmente pertencia a um adulto, ele não parecia perturbado com o olhar reprovador dos motoristas que buzinavam e xingavam. Ele apenas parecia ausente, olhando em silêncio para chão.
Ao atravessarmos pela calçada, ele olhou diretamente para mim durante alguns segundos e aquilo me fez gelar. Parecia que queria pedir ajuda ou quem sabe me xingar, mas não disse nada.
Sua expressão só mudou quando alguém disse “Vai ter que sacrificar, não tem jeito”. Em seu rosto se formou uma sombra de pesadelo e ele logo começou a gritar “Não, não, não, não!”. Repetiu tantas vezes que as palavras aos poucos se misturaram até virar um ruído que foi perdendo sentido, sumindo no palavrório do povo que aos poucos se aproximava e compunha o tumulto.
Havia algo de errado com a pata traseira do cavalo, que não conseguia se apoiar em pé e mal conseguia relinchar. Os motoristas desistiram de buzinar e berrar e abriram caminho passando por cima da calçada da churrascaria.
O homem zonzo de cachaça e de tristeza se sentou do outro lado da rua e começou a raspar o asfalto com uma pedra como quem tenta cavar um buraco, uma saída impossível.
Quando nosso carro estava passando, finalmente consegui ver que o cavalo estava ensanguentado, ele havia se enroscado num rolo de arame farpado de uma construção que havia ali perto. Só então me dei conta de que o menino havia parado de chorar e que suas mãos estavam cortadas pelas tentativas de salvar o animal. Lágrimas inúteis escorrendo no rosto imundo e desorientado.
Ao atravessarmos pela calçada, ele olhou diretamente para mim durante alguns segundos e aquilo me fez gelar. Parecia que queria pedir ajuda ou quem sabe me xingar, mas não disse nada. Eu também não. O vidro nos separando era tão constrangedor quanto confortável, uma saída possível.
Voltamos para casa todos em silêncio.