Quando você sobrevive a uma tragédia, é normal sair dali como um palestrante de autoajuda que manja de superação ou um fiel recém-convertido, grato ao seletivo milagre divino que te tirou de uma roubada e deixou o restante das pessoas na mão.
Até aí tudo bem (tudo bem se você for um dos sobreviventes, no caso), foi algo inesperado que aconteceu, fez você dar uma beijinho de esquimó ali no nariz na morte e te trouxe de volta para a vida, todo pimpão e escrevendo carpe diem no Facebook.
Mas há casos em que você não estava nem perto de compor os números de uma tragédia, você estava apenas em casa comendo algo gorduroso e vendo série da Marvel, por exemplo, mas aí resolveu fazer algo idiota pra dar uma quebrada no marasmo da vida e fazer um pouco de cócegas no vazio existencial. É aquela voz de Cid Moreira que diz no seu ouvido: Que tal fazer algo bem estúpido que colocará a sua vida em risco, hein?
Embora seja bem mais lento, voar de balão é tipo voar de avião só que com você do lado de fora, seguindo a direção que o vento quiser, num cestinho absurdamente apertado e com um lança-chamas gigantesco na sua cabeça.
Essa vontade de vertigem, esse desejo de perigo começa a ser incutido em nossas mentes desde a infância quando nossos pais nos levavam para vomitar no barco pirata, ou para deslocar a clavícula na roda estrela do parque de diversões. O perigo da altura só não era maior do que o perigo de pegar tétano nos brinquedos enferrujados. E nem as festinhas de aniversário escapam desta doutrinação para a tragédia, já que a cama elástica, que certamente foi criada por um ortopedista, é um elemento sempre presente e disputado pelos convidados. Enfim, a infância é composta por uma sucessão de deliciosas experiências de quase morte.
Aí a gente cresce, mas não melhora muito.
Esses dias andei de balão. É isso. Num momento você está no sofá com o controle da TV na mão e em outro você está acima das nuvens, olhando pra baixo com outra coisa na mão.
Tenho um amigo (olá, Everton) que não costuma ligar convidando para jogar videogame, ele liga chamando para fazer alguma atividade meio imbecil, no meio do nada e que provavelmente nos matará de uma maneira horrível. E a gente sempre vai.
Embora seja bem mais lento, voar de balão é tipo voar de avião só que com você do lado de fora, seguindo a direção que o vento quiser, num cestinho absurdamente apertado e com um lança-chamas gigantesco na sua cabeça e uma porrada de cilindros com gás inflamável ao seu lado. É seguro, disse o meu amigo. Claro que sim, quem duvidaria?.
A experiência é incrível e se você conseguir ignorar o medo de altura somado ao medo de que tudo vá pelo ares, consegue até perceber que a vista é maravilhosa, o silêncio é comovente e que a vida pode ser algo imenso, que dá até pra escrever uma crônica sobre isso etc.
Eis que, passados uns dois meses do nosso voo, leio a notícia da queda de um balão nos EUA que vitimou várias pessoas. Vejo as imagens, tá lá o cestinho. Antes do acidente, os passageiros tiraram fotos em posições bem parecidas com as que nós tiramos quando estávamos prestes a subir. Não sinto nenhum tipo de iluminação, só a convicção de que eu jamais entrarei num troço desses novamente.
Então quando penso em avisar o meu amigo sobre essa notícia, ele me diz:
– Cara, descobri que existe um negócio chamado estilingue humano!
– Estilingue o quê?
– E ele fica no mesmo lugar que tem a maior tirolesa das Américas.
– Ah tá, ficar pendurado por um cabo sobre um abismo?
– Isso mesmo.
E lá fomos nós mais uma vez.