Avistou o velhinho simpático sentado no banco da praça, olhar distante, sorriso no rosto. Resolveu ir até lá e puxar conversa, afinal, não havia nada programado para aquele domingo e essa gente antiga sempre tinha coisa boa pra contar.
– Bom dia, senhor.
– Bom dia.
– Manhã bonita, não é?
– É.
Completo silêncio no ar.
– O que vai fazer de bom hoje?
– Nada.
– Hum. Eu também não tenho nada pra fazer, por enquanto.
– Ah.
O silêncio voltou. O velho não parecia querer conversar, mas ela insistiu, “talvez ele seja tímido e esteja esperando que eu entre em algum assunto para começar uma história. Velhinhos fofos adoram contar sobre os tempos em que ainda não eram velhinhos fofos”.
– O senhor tem netos?
– Não.
– É casado?
– Não.
– Aposentado?
– Sou.
– O que fazia da vida antes de se aposentar?
Mais uma vez, ele: o silêncio. Mas a curiosidade não deixaria que a conversa acabasse ali, agora ela iria até o fim.
– Hein? Fazia o que da vida?
– Era traficante.
Durante alguns segundos, sentiu um arrependimento congelante subir pela espinha.
– Trafican…
– Traficante.
– Traficante do quê?
– De drogas, porra. O melhor da minha época.
Começou a rir.
– O senhor é engraçado.
O homem permaneceu olhando para a frente, com o mesmo sorriso na face, quieto.
– O senhor era mesmo traficante? Não, né?
– Era.
– Mas o senhor não tem cara de traficante.
– Garanto que não tenho a mesma cara que tinha quarenta anos atrás.
Garanto que não tenho a mesma cara que tinha quarenta anos atrás.
– Verdade. Acho que vou pegar o caminho da roça, melhor começar a preparar o almoço.
– Miguelão, me chamavam. Fui um dos mais procurados do Brasil, mas nunca passei mais de dez meses na cadeia. Os juízes eram meus clientes e, os que não eram, bom, eu dava meu jeito. Me pegavam, comandava tudo ali de dentro, logo saía.
– Certo. Acho que vou pra casa, então.
– Nunca vou me esquecer do primeiro homem que eu matei. Tinha mais ou menos a sua altura.
Fazia tempo que Seu Miguel não via alguém correr tão rápido quanto aquela mulher. Antissocial, ficou ansioso para aplicar novamente a tática e se livrar de outras pessoas.
Nasceu, naquele dia, um novo passatempo para um antigo escritor. Azar dos inconvenientes.