Deitou na cama e olhou para o livro na mesinha de cabeceira. Ligou a TV.
– Que bosta, não tem mais nada que preste na televisão.
Olhou novamente para o livro. Voltou para a TV.
– Olha lá, não presta, não presta, não presta, nenhum canal presta.
Olhou de novo e, dessa vez, o livro pareceu também olhar para ele.
– Para de me encarar! Hoje não dá, preciso relaxar, não tô com cabeça pra ler.
Pegou o celular. Olhou de canto para o livro.
– Eu já disse que não rola. Passei o dia trabalhando que nem um pokémon escravo do Japão em época de torneio, não dá pra ter foco, não dá pra me concentrar.
Curtiu algumas fotos no Instagram. Voltou os olhos para o livro.
– Não é que eu não esteja gostando de você. É o contrário disso, tô na tua, até apaixonado, de verdade verdadeira. Mas se eu inventar de começar a lê-lo agora, você sabe como vai ser: vou demorar um pouco pra pegar no tranco pelo meu estado de quase-morte, mas aí eu vou que vou, vou com tudo, vou me empolgar, ficar feliz, animado, virar a próxima página ansioso, perder o controle e, de repente, já vão ser três da manhã e eu terei quatro horas de sono antes do trabalho.
Virou o rosto e ficou de frente para a mesa.
– Eu sei, você merece um pedido de desculpas. Prometi que ia me dedicar durante este mês e tô ficando distante, me atolando em trabalho. Às vezes sobra um tempo e, sem perceber, eu troco você pelo Brasileirão, você tem todo o direito de ficar chateado.
Às vezes sobra um tempo e, sem perceber, eu troco você pelo Brasileirão, você tem todo o direito de ficar chateado.
Colocou a mão no peito, carinhosamente.
– O meu sentimento não mudou. Eu só não consigo dar o amor que você merece agora. Mas ele tá aqui, guardado no meu coração.
Levantou e segurou o livro no alto, ficando frente a frente com ele.
– Um dia, eu vou chegar até o seu fim e vamos olhar pro passado felizes, lembrando da história linda que a gente viveu. Eu prometo.
Ouviu um barulho na porta e olhou assustado. Era a esposa entrando no quarto.
– Geraldo, você estava de conversa com o livro?
– Eu? Claro que não!
– Geraldo!
– Claro que não. Tá louca?
Colocou o livro na mesinha. Deitou na cama e fechou os olhos.