Último episódio da temporada. As luzes se apagaram de repente, só sobrou um quarto escuro e vontade de socar a fuça do dono da companhia de luz.
– Puta merda! Isso não é hora de acabar a energia!
Interfonou na portaria para saber se ia voltar logo e o porteiro avisou que seriam, pelo menos, duas horas na escuridão. Começou a procurar alguma vela perdida pelas gavetas, sem sucesso.
Alguém bateu na porta.
– Quem é?
Uma voz feminina respondeu.
– Oi, eu moro aqui também.
Abriu.
– No que posso ajudar?
– Na verdade, eu só queria alguém pra conversar, mesmo, até a luz voltar.
– Tô meio ocupado agora.
– Ah, que pena. Eu estava assistindo a American Horror Story e a energia acabou, fiquei meio sem o que fazer.
– Você assiste? Não acredito! Eu também estava assistindo.
– Que desespero! Eu preciso acabar esse episódio, fiquei louca quando a TV desligou!
– Em qual você tá? Vai, entra aqui, vamos conversar um pouco. O tempo vai passar mais rápido.
Deu passagem para a mulher.
As luzes se apagaram de repente, só sobrou escuro e vontade de socar a fuça do dono da companhia de luz.
– Moça?
– Oi, já tô aqui no sofá! Sou rápida.
– Ah, tô indo.
Sentou numa cadeira de frente para o sofá, sem enxergar absolutamente nada.
– Procurei vela mas não encontrei. Você tem alguma?
– Infelizmente, não.
– Disseram que volta em duas horas, dá pra esperar. Quer que eu pegue o celular pra iluminar um pouco?
– Não, não precisa. Como você acha que vai acabar?
– Tenho uma teoria.
Passaram mais de uma hora conversando, sem parar, sobre cada detalhe macabro da série.
– Mas, enfim, nunca vi você por aqui. Achei até que o apartamento do lado estava vazio, nem imaginei que tinha uma fã de terror pra conversar.
– Está.
– Está o quê, vazio? Como assim? Você mora onde?
– Deixa pra lá, é complicado.
– Você é uma invasora de apartamentos?
Começaram a rir.
– Uma vizinha misteriosa. Desculpa, esqueci de perguntar o seu nome.
– Domitila. Mas sempre me chamaram de Tila.
– Bonito! Diferente, bem diferente.
– É bem antigo.
– Mas gostei, Tila. O meu é Lucca.
– Eu sei, Lucca.
– Sabe?
Deu um sorrisinho que, obviamente, ela não pôde ver. Tinha uma admiradora secreta!
– Então você já tinha me visto por aqui?
– Já, várias vezes, acho que praticamente todos os dias. É que eu sou bem tímida, então sempre tive um pouco de receio de me apresentar, sabe como é.
– Me desculpa, eu sempre saio pra trabalhar na correria e nem reparo em quem tá do meu lado pelo caminho. Mas que bom que se apresentou hoje, Tila. Estou começando a achar que esta falta de luz não foi uma coisa tão ruim.
– Tão ruim?
– É, não vou falar que foi uma coisa boa. A gente ainda não se conhece o suficiente pra eu gostar mais de você do que de assistir ao Netflix.
– Justo.
Riram novamente.
– Você quer continuar vendo aqui comigo quando a luz voltar? A gente tá no mesmo episódio, o destino tá praticamente implorando pra gente assistir junto.
– Eu adoraria poder comentar o episódio com você! Sempre assisto sem poder fazer comentários.
– Então está fechado. Vou pegar alguma coisa pra gente comer.
Levantou para ir até a cozinha.
– Gosta de pipoca?
– Nossa, faz muito tempo que não como pipoca. Mas não quero, obrigada.
As luzes se acenderam. Não havia ninguém no sofá.
– Eita!