Conseguiu pegar o celular do bolso: 68 chamadas perdidas. Ligou para o chefe.
– Alô, Silva?
– Hugo? Tá tudo bem? Tô ligando pra você desde hoje cedo.
– É, eu vi aqui as chamadas.
– Você tá bem?
– Olha, poderia estar melhor.
– Você não deu as caras, não falou nada, a gente ficou preocupado. O que você tem?
– Eu tô preso no metrô.
O chefe não respondeu.
– Silva? Tá aí?
– Sim. Eu só não entendi.
– Eu tô preso no metrô.
– Mas preso como?
– Tô aqui dentro, tem tanta gente que eu não consigo sair.
– Mas são 17 horas, o que aconteceu de manhã pra você não vir trabalhar?
– Eu estava preso no metrô.
– Hugo, você não está falando coisa com coisa. Se quiser me ligar depois…
– Não, chefe! É coisa com coisa! Tô falando a verdade, eu entrei e não consigo mais sair porque, nossa senhora, é muita gente!
A ligação caiu. Ligou novamente.
– Oi, Silva! Muito ruim o sinal aqui. Mas então, não é mentira, meu carro não pegou hoje cedo e eu resolvi ir de metrô.
– Mas isso que horas?
– Oito! Oito horas. Fui direto pra Sé.
– Ainda não entendi. Você entrou no metrô às oito da manhã?
– Isso! Você entendeu, sim. É isso.
– E você está dentro do mesmo metrô agora, cinco da tarde?
– Exatamente.
– Mas não é possível!
– É possível, Silva, você não faz ideia do que é isso aqui. Parece apocalipse zumbi, mas com as pessoas vivas, eu não consigo nem explicar. Já até chorei.
– Eu já entrei no metrô, Hugo.
– Então você me entende!
– Só que quando chegou na estação que eu precisava ir, eu saí.
– É esse o problema: não dá!
Deu uma cotovelada no moço que estava na frente.
– Eu tô preso no metrô.
– Mas preso como?
– Tô aqui dentro, tem tanta gente que eu não consigo sair.
– Mas são 17 horas, o que aconteceu de manhã pra você não vir trabalhar?
– Eu estava preso no metrô.
– Não dá, Silva, simples assim. Da primeira vez que eu tentei sair, abriu a porta do outro lado, não tinha como chegar ali, entendeu?
– Mas era só esperar algumas pessoas descerem.
– Acontece que entraram outras pessoas ao mesmo tempo! Aí tá assim o dia todo: saem 30, entram 300, eu vou fazer o quê?
– Hugo…
– Eu não conseguia nem pegar o celular pra ligar pra você, porque não dava pra me mexer. Agora eu consegui, não sei como.
– Na próxima estação, vai empurrando todo mundo até chegar na porta. E sai daí!
– Só que tem umas velhinhas, né? Dá medo de machucar, não dá pra ser assim, também.
– Hugo, todo mundo é assim, no metrô é cada um por si.
– Eu acho isso um pensamento muito egoísta, me desculpe ser sincero com o senhor.
O chefe começou a rir.
– Eu tô pensando em esperar passar o horário de pico. Um homem que eu conversei falou que lá para as 20 horas esvazia.
– E onde está o homem agora?
– Ele desceu.
– E por que você não desceu junto? Segurasse nele.
– Porque eu não pensei nisso. E, pensando agora, não era a minha estação.
– Mas não existe mais sua estação! Você só precisa sair, Hugo, desce em qualquer uma e pega um Uber!
– Silva, me perdoe, mas eu não me sinto preparado, ok? Preciso que você respeite o meu momento.
– Hugo, faz o que você quiser. Você já perdeu o dia de trabalho. Amanhã a gente vai conversar sério.
– Tudo bem.
– Só me avisa quando conseguir sair daí. Porque eu vou contar essa história pra todo mundo e vou precisar saber qual é o fim.
– Sim, eu aviso.
Desligou.
Às 20 horas, ligou novamente.
– Oi, Silva! Hugo de novo.
– E aí, saiu?
– Acredita que o metrô quebrou? Tudo parado, tudo apagado, já faz umas duas horas. Eu deveria ter segurado naquele homem, mesmo.