Arremessou o celular na parede com toda a força. A briga estava saindo do controle. Não que brigar já não seja sair do controle, mas até nas brigas podem permanecer os bons modos.
– Cinco anos de casamento. Cin-co. E você nunca tinha me deixado com tanta raiva. Puta que pariu.
– Eu já pedi desculpas, já falei que foi sem pensar, o que mais você quer?
– Eu quero que você sofra!
– Que drama! É muito drama por causa de uma coisa minúscula, você sempre potencializa os problemas.
– Coisa minúscula? Tem 80 polegadas! É quase maior que a nossa sala!
– Quase, mas não é. Para de falar como se você não fosse usar.
– Eu não vou usar! Eu me recuso. Você fez a dívida sem me consultar, ela é toda sua. Quando for parar no Serasa eu vou dar risada por saber que não tenho nada a ver com isso.
– Para de pensar no pior e imagine suas séries numa tela quase do tamanho da parede. Vai ser sensacional!
– Uma tela quase do tamanho da parede: era bem isso que eu queria quando nós começamos a poupança. Viajar? Não precisamos, precisamos de 80 polegadas de entretenimento sem sair de casa.
“A briga estava saindo do controle. Não que brigar já não seja sair do controle, mas até nas brigas podem permanecer os bons modos.”
Chutou uma almofada pela janela.
– Eu não quero estar aqui quando ela chegar, vou passar a semana na casa dos meus pais.
– Larga de ser besta, agora já tá feito. Sexta-feira a televisão tá aí, queira ou não. Não é melhor aceitar?
– Não sou muito boa com aceitações. Aceitei casar com você e agora a gente tá aqui, arrastando metade dos móveis pra dar espaço a um monstro que você decidiu adotar.
Jogou mais uma almofada pela janela.
– A gente não precisa de todas essas almofadas!
– Para!
– Quer saber? Não consigo. Eu vou embora, vou sair daqui. Preciso refletir, depois eu volto.
– Onde você vai?
– Sei lá, dar uma volta. Só vou.
Bateu a porta. Voltou de noite.
– Voltei. Precisamos conversar.
– Acalmou?
– É o seguinte: você vai cancelar a compra. Não importa se você pagou à vista, você vai ligar na loja e pedir o dinheiro de volta.
– Não vou cancelar. Eu já falei que isso tá fora de cogitação. É um bem que eu comprei pensando em nós dois, você vai ver como vai mudar de opinião assim que assistir pela primeira vez.
– Ela ou eu.
– Essa chantagem não cola comigo, você fala isso toda vez.
– Ou ela ou eu. Dessa vez é verdade.
– Desiste, meu bem. A famosa frase “aceita que dói menos”.
– Não vai cancelar a compra?
– Não.
Levantou e começou a andar de um lado para o outro.
– Vou ter que apelar.
– Ai, mais drama.
– Você me obrigou.
– É, obriguei.
– Se você não cancelar a compra…
Parou.
– Se não cancelar…
– O que vai acontecer? Você vai embora pra casa da sua mãe por causa de uma TV?
– Não. Se você não cancelar, eu vou dar um spoiler.
O silêncio tomou conta do ambiente.
– De Game of Thrones!
– Você não faria isso.
– Farei.
– Você não vai fazer isso! Você nem sabe o que vai acontecer, também detesta spoiler.
– Vi na internet.
– Não viu, é blefe.
– No próximo episódio, alguém muito importante vai morrer.
– Chega! Não fala! Não faz isso, eu tô falando sério.
– Alguém que você gosta muito.
– Para! Cadê o telefone? Dá aqui, vou cancelar, vou cancelar.
– Amanhã cedo eu quero esta sala do jeito que sempre foi. Boa noite.