• Sobre
  • Apoie
  • Política de Privacidade
  • Contato
Escotilha
Sem Resultados
Veja Todos Resultados
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
Escotilha
Home Crônicas Henrique Fendrich

A filha dos outros

porHenrique Fendrich
7 de agosto de 2019
em Henrique Fendrich
A A
Imagem: Reprodução.

Imagem: Reprodução.

Envie pelo WhatsAppCompartilhe no LinkedInCompartilhe no FacebookCompartilhe no Twitter

Aproximo-me da menina. Dois anos, se tanto. Começo a brincar com ela, faço graça, sou o perfeito palhaço para ela. A menina ri gostosamente. Todos se voltam para nós e alguém diz: “Ela gosta de você”, e há um tom de surpresa na voz, como se não fosse normal que alguém assim tão, não sei, tão apagado, fizesse esse sucesso todo com uma criança. Sim, ela gosta de mim. Estamos nos comunicando, estamos nos entendendo perfeitamente e é doce ficar ali. Os outros nos esquecem, vão fazer outra coisa, mas eu fico ali, ao lado daquela menina que gosta de mim.

Ah, mas o que é isso? Estão me chamando? Querem me tirar daqui, é claro. É preciso “fazer um social”, não é assim que eles dizem? Preciso ir lá e ficar sentado falando sobre o tempo, sobre a política e o preço nos supermercados. Onde é que já se viu um adulto sair para visitar outros adultos e gastar o tempo todo ao lado de uma criança de dois anos? Um adulto deve se portar como adulto. Pode olhar a criança, pode fazer uns agrados, deve elogiar, mas só por algum tempo, depois é preciso voltar ao mundo sério das pessoas grandes. Pouco importa se o adulto não se entende tão bem com os adultos como com essa criança de dois anos. Olhem só para ela! Ela se diverte comigo, eu a faço rir e ela me quer por perto. Da minha parte, ajo com muita naturalidade. Não tento aparentar coisa alguma, não quero convencer ninguém e sei que ela não está me julgando. E agora querem me tirar daqui, dessa experiência que só a muito custo eu consigo encontrar durante a vida!

Essa menina vai crescer, eu sei disso. Não vai se lembrar de nada que estamos vivendo agora. Um dia ela vai perceber que existe alguma coisa estranha comigo, que eu não me comporto como os outros adultos, que mal abro a boca ou que me atrapalho todo para falar, que pareço sempre tenso e pouco à vontade, e então ela terá medo. Eu sei que ela terá medo de mim. Quando eu me encontrar com ela, os pais vão pedir que ela me cumprimente, mas ela não vai querer, ela vai tentar passar reto, só que os pais vão chamá-la de volta, eu direi que não precisa, que tudo bem, mas eles farão questão que a menina me cumprimente, e ela fará isso toda sem jeito, e os pais se desculparão dizendo que “ela é tímida”, mas eu sei que não é timidez nenhuma, é só medo mesmo.

Eu quero que me deixem em paz, que me deixem a sós com essa menina, que a gente fique brincando como duas crianças bobas.

Sei do que estou falando, porque já foi assim com outras crianças, até que elas crescem ainda mais e viram elas próprias adultas, aí me cumprimentam, mas aí já não há nem sinal da conexão que um dia tivemos, aí já somos dois completos estranhos, e só eu me lembrarei daquilo que um dia veio a nos unir.

Deixem-me ficar aqui mais um pouco, deixem que eu prolongue esse momento mais um pouco! É o que eu queria dizer, mas não digo, porque isso iria chamar a atenção para mim, isso faria com que eles pensassem coisas a meu respeito, e eu não quero que pensem nada, eu quero que me deixem em paz, que me deixem a sós com essa menina, que a gente fique brincando como duas crianças bobas. Mas é preciso agir dentro da normalidade, é preciso se afastar, ir à sala conversar, embora a nossa conversa não possa nunca gerar a mesma compreensão que eu tenho ao lado dessa menina. Que não é minha! Não é minha e nenhuma outra poderá ser, é o meu destino ou os meus pecados, ser esse pai órfão de uma filha, se ao menos não tivesse amor nenhum, mas ainda tenho.

Ela é só a menina dos outros, a menina que posso ver de vez em quando e imaginar como é que seria, o que é que se sente quando se tem uma todos os dias na sua própria casa. Faço outra palhaçada, a última, derradeira. E em seguida volto a me apagar.

Tags: brincarcriançaCrônicafilhamenina

VEJA TAMBÉM

"Drama da mulher que briga com o ex", crônica de Henrique Fendrich.
Henrique Fendrich

Drama da mulher que briga com o ex

24 de novembro de 2021
"A vó do meu vô", crônica de Henrique Fendrich
Henrique Fendrich

A vó do meu vô

17 de novembro de 2021

FIQUE POR DENTRO

Kurt Vonnegut em 1991. Imagem: Richard Mildenhall / Reprodução.

‘Cama de Gato’: a visceral obra em que Kurt Vonnegut imagina o fim do mundo

5 de junho de 2025
Retrato da edição 2024 da FIMS. Imagem: Oruê Brasileiro.

Feira Internacional da Música do Sul impulsiona a profissionalização musical na região e no país

4 de junho de 2025
Calçadão de Copacabana. Imagem: Sebastião Marinho / Agência O Globo / Reprodução.

Rastros de tempo e mar

30 de maio de 2025
Banda carioca completou um ano de atividade recentemente. Imagem: Divulgação.

Partido da Classe Perigosa: um grupo essencialmente contra-hegemônico

29 de maio de 2025
Instagram Twitter Facebook YouTube TikTok
Escotilha

  • Sobre
  • Apoie
  • Política de Privacidade
  • Contato
  • Agenda
  • Artes Visuais
  • Colunas
  • Cinema
  • Entrevistas
  • Literatura
  • Crônicas
  • Música
  • Teatro
  • Política
  • Reportagem
  • Televisão

© 2015-2023 Escotilha - Cultura, diálogo e informação.

Sem Resultados
Veja Todos Resultados
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
  • Sobre a Escotilha
  • Contato

© 2015-2023 Escotilha - Cultura, diálogo e informação.