A primeira coisa que reparei foi o tamanho do lustre. E também que não havia mais nenhuma outra iluminação em todo o Santuário. Isso tudo, é claro, depois de ser atingido pelos vitrais azuis que simulam um céu estrelado. No altar, um Cristo enorme crucificado. E pelas laterais os rotineiros avisos paroquiais. Um confessionário com paredes de vidro me fez lembrar de outros confessionários, talvez ultrapassados, que eram antes um móvel, feitos de madeira, e com uma cortina que separava a humilhação do pecador e a autoridade do sacerdote. Um cartaz aponta a direção dos souvenirs, escada abaixo. Lembro de outras igrejas e percebo que quase não há imagens. À esquerda do altar, no entanto, uma estátua de dois metros de altura homenageia aquele que leva o nome do lugar, também padroeiro de Brasília.
Dom Bosco tem uma história muito bonita de trabalhos pela juventude, mas também de misteriosos sonhos ou visões proféticas. A um desses sonhos atribui-se, muito forçadamente, a fundação de Brasília. Em 1883, o italiano Dom Bosco foi levado em sonho para a América Latina, onde pôde enxergar a expansão de sua Congregação Salesiana, mas também numerosos metais preciosos, jazidas e petróleo ainda escondidos sob o solo. Entre os paralelos 15 e 20, foi revelado a ele que, depois de escavadas as minas do lugar, apareceria ali a Terra Prometida que jorraria leite e mel, e esta seria de uma riqueza inconcebível. O Paralelo 15 atravessa justamente Brasília, o que não passou despercebido, nos anos 50, aos defensores da mudança da capital do país para o interior de Goiás. Assim foi feito e a profecia passou a ser adotada oficialmente, sem muita contestação, pois ninguém achou mais nada digno de nota acontecendo entre os ditos paralelos.
“Dom Bosco tem uma história muito bonita de trabalhos pela juventude, mas também de misteriosos sonhos ou visões proféticas. A um desses sonhos atribui-se, muito forçadamente a fundação de Brasília.”
No entanto, para desmentir a atribuição da profecia à Brasília, bastaria perceber que por aqui não emana leite e mel, a menos que consideremos os constantes casos de corrupção. Acompanhar o cotidiano de um trabalhador de Brasília, geralmente morador de uma distante e sofrida cidade-satélite, seria suficiente para questionar a riqueza inconcebível prevista para a cidade. Chego a pensar que Dom Bosco ouviu mal, e entendeu “riqueza inconcebível” o que era apenas “calor inconcebível”. Sem dúvida é a terra prometida, não pelo Senhor, mas pelo bem humano Juscelino.
Na Itália, Dom Bosco se sensibilizou com os jovens sem família, gente que saia do interior e vinha tentar a vida na cidade grande. É o caso de tanta gente em Brasília – é o meu caso. Em outro dos seus sonhos, Dom Bosco via todos os jovens do mundo e recebia a missão de guiá-los por dez colinas. Alguns puderem subir em uma carruagem chamada “Inocência”. Quinhentos, no total. Todos os jovens do mundo, mas apenas quinhentos eram inocentes. Durante o caminho, houve um acidente com a carruagem e o número caiu para 150. Os demais iam a pé, e muitos se perdiam pelo caminho, para angústia de Dom Bosco. Talvez não seja um disparate tão grande associar também esta profecia à capital do país. Não é prova de outra coisa que o Santuário Dom Bosco conte com tão poucos jovens se comparado ao prédio vizinho – a sempre movimentada Academia Dom Bosco.