Um drama moderno, que acontece todos os dias e em todos os lugares, alcançou desta vez a janela da minha casa: a mulher que briga ao telefone com o ex-marido. É que a minha casa, na verdade um apartamento, fica no térreo e logo ao lado do estacionamento do condomínio e muita coisa eu consigo escutar, involuntariamente, sem precisar sair do meu quarto. A mulher em questão havia estacionado, abriu a porta, mas, em vez de descer e ir ao seu apartamento, ficou dentro do carro, discutindo com o seu ex-marido. E a tudo eu podia ouvir da minha casa.
Era uma segunda-feira. No fim de semana, milhares de pais haviam buscado os seus filhos na casa de suas ex. E esse encontro forçado entre pais separados, por vezes, é suficiente para novas discussões entre eles. Muita coisa os próprios filhos presenciam, mas outras há em que os pais deixam para discutir na segunda-feira, já sem a presença deles. Fazem isso por telefone. Era esse, então, o contexto da discussão que estava tendo a mulher dentro do carro.
Um drama moderno, que acontece todos os dias e em todos os lugares, alcançou desta vez a janela da minha casa: a mulher que briga ao telefone com o ex-marido.
Sim, houve um desentendimento no domingo, dia em que a filha do casal havia passado com o pai. Agora, o homem ligava para a ex a fim de tirar tudo a limpo. E os dois discutiam mais uma vez. Não ouvi a história desde o início. A mulher já dizia: “Eu falei para a Manuela fechar a porta, senão eu e o pai dela íamos brigar outra vez. E o que você fez? Ficou falando que isso não ia ficar assim, que eu ia ver. Você está me ameaçando de novo, é isso?”.
A conversa, portanto, já estava em um nível tenso, e a ideia de que um homem poderia estar ameaçando uma mulher me fez prestar mais atenção. Aparentemente, do outro lado da linha, o homem disse que não, não estava ameaçando ninguém. Em seguida, parece ter começado a se lamuriar, o que claramente irritava a mulher no carro.
A certa altura, o homem disse que estava passando mal. Ora, conhecemos esse estratagema. O homem, ao nascer, é ainda um bebê e, como tal, precisa chamar a atenção da sua mãe – e nada é mais eficaz para isso do que o choro. Ocorre que o homem cresce, vira adulto e continua se valendo desse mesmo comportamento, agora para chamar a atenção e sensibilizar as suas parceiras (ou ex-parceiras). Então o homem dizia que estava passando mal, porque, é o que ele deveria pensar, com isso poderia conseguir a compaixão da sua ex. Mas faltou combinar com a ex, porque a mulher não engoliu aquela história.
“E o que eu tenho com isso? Liga para alguém da sua família, liga para sua irmã, não para mim. Você acha que quando eu passar mal eu vou ligar para você?”. Mas o homem parecia insistir que estava passando mal, então a mulher se dispôs a ajudar: “Então eu vou desligar e vou ligar para a sua irmã e falar para ela ir aí ver você que está passando mal”. Evidentemente, ele não quis. O homem deve ter aludido a crises passadas de ansiedade, porque a mulher rebateu: “E você acha que eu não tive crise de ansiedade também? Você acha que eu não chorei, acha que eu não sofri contando as coisas para a Manuela?”.
Alguma coisa muito grave o homem devia ter feito, a julgar pelo que a mulher disse em seguida: “Eu não quero mais olhar na sua cara. Eu tentei, eu tentei ser sua amiga, mas você é mentiroso demais. Não quero mais olhar na sua cara. Quando for o dia de você ficar com a Manuela, diz para o seu irmão vir pegar ela, aí a gente não precisa mais se ver. Não, Ricardo, eu não quero mais nem olhar na sua cara! Você segue a sua vida, eu sigo a minha e pronto. Entendeu?”. Era um discurso enfático, mas o homem insistia, não sei bem no quê, e na verdade nem a mulher sabia: “O que é que você quer de mim???”.
Por um momento, a mulher silenciava, ouvia o que o homem dizia, mas não devia ser nada de novo, nada que a fizesse mudar de ideia. Na verdade, repetiam-se os mesmos argumentos daqui e de lá, sem se chegar a lugar algum. E a mulher já estava com medo de se atrasar. “Já é meio-dia, eu preciso fazer o almoço da sua filha e depois levar ela pra escola. Você vai me falar mais alguma coisa ou eu posso ir? Ah, quer mais um minutinho? Pra quê? Então fala, Ricardo, fala… Isso você já disse!”. Da minha casa, eu não ouvia nada do que Ricardo dizia, mas sabia que estava consumido pelo desespero da sua carência.
Há tantos homens que não sabem lidar com o fim de um relacionamento, tantos homens que tiram a vida de suas ex-companheiras ou, pelo menos, fazem dela um verdadeiro inferno! Torci para que a mulher desligasse na cara dele e, da minha própria casa, vibrei quando o fez.