Era o primeiro jogo que eu iria assistir, o primeiro jogo de verdade, e no caminho para lá meu pai me disse: “Como você já deve ter percebido, sua mãe e eu estamos nos separando”. Eu realmente havia notado alguma coisa estranha no ar, mas nada que me fizesse chegar a essa chocante conclusão: os meus pais iriam se separar! E, em vez de matutar o resto do dia em cima dessa questão, eu estava indo para um estádio de futebol pela primeira vez.
Torcer pelo Paraná, é claro, desde que soube que iria me mudar para Curitiba eu já havia escolhido o meu time, e não poderia ser outro, primeiro porque o estádio não era longe de casa, e segundo que vinha bem a calhar com o meu temperamento, sempre fugindo dos extremos e preferindo as terceiras opções. E isso tudo a despeito da péssima fase que o time vivia, se é que se pode chamar de péssima uma fase em que ele estava na primeira divisão.
Mas era um dia de clássico, e em clássico tudo pode acontecer, pelo menos a gente esperava que sim. Estes jogos também costumam dar briga e o meu medo era que estourasse uma perto de mim. Certamente não ajudou o fato de termos estacionado o carro, por engano, no meio da torcida rival. Eu estava ressabiado, esperava qualquer coisa daquele dia, nada é improvável demais no dia em que seu pai avisa que está se separando da sua mãe.
Eu estava ressabiado, esperava qualquer coisa daquele dia, nada é improvável demais no dia em que seu pai avisa que está se separando da sua mãe.
Fazia poucos dias, uma semana no máximo, que a gente havia se mudado para cá. As coisas ainda nem estavam ajeitadas dentro de casa. Havíamos tido um terrível acidente com um armário que se desprendeu da parede e derrubou nossas louças no chão. Nosso forno de micro-ondas foi amassado. Escorreu suco de uva pela porta e os vizinhos acharam que era sangue. Eu havia saído para dar uma volta, e por isso não vi quando tudo aconteceu.
Dei de cara com o pandemônio quando cheguei: cacos por toda a parte, meu pai correndo de lá pra cá, os vizinhos na porta de casa, minha mãe chorando as louças perdidas e talvez um pouco mais que eu ainda não sabia. Fui mandado de volta para a rua, não havia nada que eu pudesse fazer ali além de atrapalhar. Caminhei por muito tempo, passei por uma igreja e pensei em entrar, mas fiz do lado de fora mesmo uma prece pela nossa nova vida.
Mas só então, dentro de um estádio, torcendo por uma equipe de futebol, é que eu me dava conta de como essa vida seria realmente nova. Se pelo menos o Paraná ganhasse, eu podia esquecer um pouco aquilo tudo. Mas o primeiro tempo terminou 2×0 para eles, nosso time era realmente muito ruim. Eu olhava os outros torcedores, as pessoas que já viviam na cidade grande, e imaginava como seria viver no meio delas, viver com pais separados.
No segundo tempo, o juiz marcou um pênalti para nós. Nessa época o Reinaldo jogava pelo Paraná, e o que se dizia sobre ele é que nunca havia errado um pênalti na sua carreira. “Que não seja hoje”, disse meu pai. Já havia coisas marcantes demais naquele dia para que ele ficasse conhecido também como o dia em que o Reinaldo perdeu um pênalti. Ele acertou, a gente comemorou bastante, mas isso não adiantou muito, porque o jogo acabou 3×1.
Voltamos para casa. Minha mãe nos aguardava para a janta – naquele dia, ainda havia três pratos na mesa.