No princípio, havia o Lôro e a Lôra. Vieram como presentes de dois amigos e durante mais de 30 anos dividiram a mesma gaiola num cantinho da cozinha. Todos os dias, às seis e meia da manhã, os papagaios eram levados para um poleiro no quintal. E lá recebiam água, frutas, sementes, pão dormido e – reza a lenda – até jiló, pois os bichos tinham um gosto meio duvidoso.
Ao fim do dia, os dois faziam um escândalo se não fossem levados de volta à sua gaiola. De vez em quando, soltavam um grito estridente quando viam alguma coisa estranha. Essa rotina durou três décadas, até o dia em que a fêmea fugiu – isto é, aquela que todos acreditavam ser a fêmea, porque certeza mesmo ninguém tinha.
Desde então (e lá se vão mais 12 anos), o Lôro passou a cultivar um ódio feroz contra o sexo feminino de maneira geral. Bastava uma mulher se aproximar que ele ameaçava atacar. Por duas ou três vezes, mordeu feio a própria dona, uma velhinha que havia envelhecido junto com o papagaio e que o tinha como filho – ela até mesmo deixava de viajar se não tivesse com quem deixar o Lôro.
Esta manhã, como de costume, ela levou o papagaio para o quintal. Uma hora depois, o bicho deu um grito estranho, seguido de um suspiro. Em seguida, morreu.
Esta manhã, como de costume, ela levou o papagaio para o quintal. Uma hora depois, o bicho deu um grito estranho, seguido de um suspiro. Em seguida, morreu. A velhinha, diante da perda repentina de um companheiro de 42 anos, até que foi forte: chorou apenas algumas lágrimas secas. Mas, sentada no sofá, ela relembrava com tristeza a história que teve com o papagaio. E estava tão abatida que um menininho da vizinhança viu e foi pedir ao avô um dinheirinho para que ela comprasse outro Lôro. Voltou com dez centavos e foi apenas nessa ocasião que a velhinha deu um sorriso.
Ela diz que pretende se desfazer da gaiola e do poleiro. Aos que perguntam se ela não quer mesmo um novo papagaio, ela responde que não, não quer sofrer de novo tudo isso que está sofrendo agora.
Já o Lôro, esse não ataca mais ninguém: está enterrado nos fundos da casa, sob um pomar plantado pela própria velhinha.