Suponhamos que exista uma árvore plantada em um terreno particular, próxima a um muro que dá para a calçada. E suponhamos que essa árvore dê frutos e que eles caiam uns para o lado de dentro e outros para o lado de fora, isto é, na calçada. Nesse caso, a quem pertencem os frutos caídos na calçada? A quem encontrar? Afinal de contas, trata-se de uma via pública, não é? Concorda? Ah, muito bem, meu caro leitor, será um prazer dividir uma cela de cadeia contigo. Sim, cela de cadeia, porque isso que você sugere é um crime. Para a lei, o dono do fruto caído na calçada ainda é o dono da árvore. Mesmo que o sujeito não vá catar lá fora, ele continua sendo dono do que cai na calçada. E nós, os que catamos, ah, nós não passamos de uns ladrõezinhos miseráveis.
Não estou mentindo. Diz o Código Civil que o fruto só deixa de pertencer ao proprietário de uma árvore se cair na casa de outro proprietário. Se cair na rua, no entanto, não é de quem pegar, ainda que sejamos todos cidadãos pagadores de impostos e, de certa forma, sejamos também proprietários da rua e da calçada. Há um tal de Gonçalves que eu não sei de quem se trata, mas parece ser grande autoridade em matéria de frutos caídos na rua, pois ele assevera o seguinte: “Se os frutos caírem em uma propriedade pública, não mais existirá o perigo das contendas e, por essa razão, o proprietário continuará sendo o seu dono, cometendo o crime de furto quem deles se apoderar”. Ah, leitor, e você aí, achando que era um cidadão de bem, esbravejando aos quatro cantos que “bandido bom é bandido morto”… Confesse que você já catou um fruto caído na rua. Confesse que você já cometeu o crime de furto. E o fez com tal maestria que nunca foi descoberto – parabéns!
Esse assunto da bandidagem de frutos caídos na rua se torna especialmente importante num mês como maio, que, como toda a gente sabe, é também o mês do pinhão, esse manjar divino oferecido pelas araucárias. Uma araucária solta muito pinhão nessa época e, com frequência, solta no meio da rua. Ora, o preço do pinhão no mercado está acima da média, de maneira que qualquer pessoa em sã consciência que passar por uma calçada tomada por pinhões irá se sentir compelida a catá-los, cometendo assim esse crime tão perverso na descrição dos nossos juristas.
Eu mesmo cometi, nas últimas semanas, não uma, mas duas, três vezes esse ato repulsivo de catar um fruto alheio no meio da calçada. Estou pronto a responder pelos meus atos perante as autoridades competentes ou quase. Invocarei, em minha defesa, aquele velho ditado popular, tão pleno de sabedoria, segundo o qual “ladrão que rouba pinhão tem 100 anos de perdão”. Asseguro que não invadi nenhum terreno alheio, apenas trombei com uma porção de pinhão bem na minha frente, enquanto caminhava pela calçada e, sabe como é, não resisti à tentação. É ainda um crime, diz a lei, mas insuficiente para que uma alma seja condenada ao mármore do inferno.
Invocarei, em minha defesa, aquele velho ditado popular, tão pleno de sabedoria, segundo o qual ‘ladrão que rouba pinhão tem 100 anos de perdão’.
Isto posto, diante da gravidade da situação, e a fim de evitar que nossos presídios, geralmente já tão lotados, sejam ainda mais sobrecarregados durante o mês de maio, convém pensar em estratégias para que se possa colher pinhão sem maiores riscos. Pensei, pensei e cheguei à conclusão de que a melhor coisa a se fazer é procurar por araucárias plantadas dentro de um colégio estadual. Espere que elas derrubem os seus frutos do lado de fora e os cate sem culpa, pois também é somente pelos seus impostos que aquele colégio existe, então você, de certo, deve ter também direito a uma parcela de tudo aquilo que ele produz.
Talvez isso venha a ser questionado mais tarde nos tribunais, mas, de toda forma, a pendenga irá se estender por tanto tempo que os pinhões já terão há muito tempo completado o ciclo digestivo dentro de você.
Roubemos, pois, mas sempre dentro da lei.