Havia uma menina chamada Flávia. Seu nome eu só fui saber depois, e não pela boca dela, pois dela eu nunca ouvi coisa alguma. De certo, alguma amiga dela a chamou, e eu, que seguia atento os seus menores movimentos, não podia deixar de ter ouvido. Flávia! Era a primeira vez que esse nome aparecia na lista de minhas paixões, em meio a Jaquelines e Lucianas.
O nome tem origem no latim Flavius, que quer dizer dourado, loiro. Mas a minha Flávia desmentia a sua origem, pois seus cabelos eram morenos, um pouco curtos, e eu adorava quando o vento a surpreendia e ela colocava a mão sobre eles, como que para conter o seu desarranjo. Flávia foi a minha primeira paixão que não era da minha idade, era dois anos mais nova, o que é um tempo considerável se você não passa de um adolescente.
Gostaria de lembrar como foi que ela surgiu, de que maneira eu a encontrei andando no outro lado da rua, na volta para casa, mas não consigo. Sei apenas que, naquela época, eu andava magoado com outra paixão – ah, como eu me apaixonava! –, uma menina que eu havia visto nos braços de outro. E eu havia jurado nunca mais amar, nunca mais entregar os meus sentimentos a outra pessoa. Até que topei com Flávia, fazendo o mesmo trajeto que eu fazia.
Era sempre o final da tarde, logo depois das cinco horas, que é, já disse outras vezes, a hora mais bonita do dia. Não me surpreende nada que alguém se apaixone às cinco horas da tarde. Sozinho, como sempre estava, eu tinha toda a liberdade para olhar ao redor, para o que contribuía, também, esse meu espírito melancólico e contemplativo. Devo ter visto, portanto, logo nas primeiras vezes aquela menina no outro lado da rua. O que exatamente me atraiu nela eu nunca soube, ela não era do tipo que eu estava acostumado a gostar, mas a verdade é que eu passei a segui-la, silenciosamente, na minha volta para casa.
Desde que uma menina havia me apresentado, alguns anos antes, à arriscada estratégia das trocas de olhares disfarçados, eu havia ficado um pouco mais ousado e já olhava diretamente para os objetos das minhas paixões, embora sempre fugisse caso viesse a ser retribuído. Seja como for, não há olhar que não chegue ao seu destino, não há menina caminhando, ainda que no outro lado da rua, que não perceba a existência de um par de olhos voltados acintosamente para ela. Percebeu, pois, seguramente percebeu, a Flávia, os olhares que eu lhe dirigia. E, se não estou de todo louco, retribuía, disfarçando, a alguns deles.
Não há olhar que não chegue ao seu destino, não há menina caminhando, ainda que no outro lado da rua, que não perceba a existência de um par de olhos voltados acintosamente para ela.
A esse teatro eu dediquei alguns dias, mais, semanas até, sem avançar um passo sequer. Tímido a um nível psiquiátrico, eu nem ao menos cogitava ir falar com ela. Esperava eu, talvez, que o céu se abrisse, viesse um anjo e tratasse de nos aproximar, sem que eu tivesse que tomar qualquer iniciativa. Como isso demorasse a acontecer, também Flávia começou a se impacientar. Mas isso eu só fui concluir mais tarde.
Houve um dia que, precisando eu dobrar uma esquina que nos afastaria da mesma rota, lancei um último olhar a ela, um olhar de despedida por aquele dia. E a encontrei olhando para mim sem hesitar, ainda caminhava, mas olhava fixamente para mim, como nunca havia feito, e, mais do que isso, sorria. Tive a impressão ainda de que chegou a murmurar alguma coisa para mim. O que queria dizer aquilo, senão “cara, eu estou tão na sua”? Eu, no entanto, surpreendido por aquilo, não consegui reagir, voltei a virar a cabeça e segui o meu caminho na direção de casa.
Isso foi em uma sexta-feira. Pensei naquilo no fim de semana inteiro e tomei uma decisão: “Vou falar com ela!”. Mas eu não sabia que já era tarde demais. Na próxima vez que eu a vi, já não houve um único olhar dela em resposta aos meus. Pelo contrário, ela se esforçava, visivelmente, para me ignorar. Entendi que a havia ofendido, que desperdiçara a minha chance e que ela não esperaria mais nada de mim. Acabou-se ali a história de Flávia.
Nunca mais amar, nunca mais amar!