Minha colega de trabalho tem um pai, o que sem dúvida é uma coisa boa. É bom que as pessoas tenham pai e que, mesmo após de crescidos, convivam com eles. Pois o pai da minha amiga veio de longe. Viajou algumas horas de avião – dois aviões, na verdade – de Natal até Brasília para visitá-la em seu aniversário. Mas não veio sozinho: trouxe consigo a mãe. Acontece que, depois de alguns de alguns dias com a filha, a mãe aproveitou para ir visitar algum parente em Goiânia, ou outra cidade qualquer. O pai ficou e, durante toda a semana, veio trabalhar com a filha.
É um pai velho e que está prestes a se aposentar. Na próxima vez que vier a Brasília, já não precisará mais trabalhar. E todo mundo tenta convencê-lo de que deve aproveitar a aposentadoria para finalmente descansar, mas o pai diz que não consegue e que acabará arrumando alguma coisa pra fazer. O pai velho gosta muito de trabalhar, mas, infelizmente, não há nada que ele possa fazer no trabalho da filha. E então ele se deixa estar, sentado, tranquilamente, enquanto nós, felizes empregados, fazemos as nossas tarefas do dia.
O pai velho gosta muito de trabalhar, mas, infelizmente, não há nada que ele possa fazer no trabalho da filha.
Não é difícil perceber que o pai gosta muito de conversar. Basta demonstrarmos alguma atenção e ele passa a discorrer sobre algum assunto que, em geral, não nos interessa muito. Só que ninguém ali conversa muito enquanto trabalha. Estamos todos muito ocupados na frente de um computador e puxamos assunto apenas quando encontramos alguma notícia bizarra. “Vendeu o rim para comprar um Iphone”, por exemplo. E, no meu caso, há tantas janelas abertas na tela, e há tanta coisa sendo falada nas redes sociais, que seria realmente extraordinário se, ainda assim, eu conseguisse conversar sobre alguma coisa.
Então não conversamos, e o pai velho, humildemente, também não puxa assunto nenhum. Fica sentado em frente ao computador desligado, pensando Deus sabe em quais coisas. Às vezes, o pai liga o computador, apenas para ver o seu e-mail e responder a um ou outro. O pai não é da nossa geração, então tem mais dificuldades para fazer isso. De vez em quando, a filha precisa socorrê-lo. Todo pai, quando velho, volta a ser criança. Nós, poderosos seres contemporâneos, passamos a ser os responsáveis por eles. E assim o pai passou toda uma semana, durante o dia, levado ao mais profundo tédio paternal.
Houve um dia em que ele foi ao cinema – era uma das poucas opções de lazer ali por perto. Mas os filmes, por mais longos que sejam, não duram muito mais do que duas horas, e logo ele já estava de volta ao nosso trabalho. Tudo que fiquei sabendo sobre o filme era que havia gostado e que terminou às 16h30. Não sei quais eram os atores, nem o que acontecia com eles durante a história – na verdade, não sei nem mesmo qual era o filme. A tudo o pai silenciou, e provavelmente porque nós não pedimos a ele mais detalhes.
Na sexta-feira, contudo, fui pego de surpresa: eu havia me despedido de mais um dia de trabalho, tão bruscamente como sempre faço, e ele me falou: “Um abraço! Até o ano que vem”. Era o seu último dia em Brasília. Só então eu percebi que eu, que me julgava uma boa criatura, não havia feito coisa alguma para tornar a visita dele mais agradável. Senti-me um miserável.
E o pai, o pai foi para casa.