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Home Crônicas Henrique Fendrich

Para um jovem morto

porHenrique Fendrich
31 de outubro de 2018
em Henrique Fendrich
A A
"Para um jovem morto", crônica de Henrique Fendrich.

Imagem: Reprodução.

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Você era jovem, mas morreu. Não teve tempo, não teve oportunidade de se casar, de ter uma filha, de vê-la crescer, de alcançar a velhice e, quem sabe, os netos. Você morreu jovem. E eu penso na grande quantidade de esforços que se tornaram inúteis com a sua morte. Quantos anos na escola? Dez, doze? Um tempo enorme. Muita gente brinca que ensinam na escola coisas que nunca vamos usar na vida. Você é quem melhor pode dizer isso. Aprendeu coisas que nunca vai usar na vida, porque já não tem vida nenhuma.

Se a gente soubesse antes! Se a gente soubesse que tudo iria acabar de repente! Talvez o pessoal até te liberasse das aulas mais chatas. As de química, por exemplo. Você nunca gostou de química. Ficou em recuperação mais de uma vez. Era sempre uma luta para tirar as notas que precisava, mas você sempre conseguiu. E eu lhe pergunto agora qual é o sentido disso tudo. Isto é, se você devia morrer jovem, que importância tinha a nota que você tirava ou deixava de tirar em química? Você iria morrer em breve, mas te obrigavam a ficar sentadinho aprendendo sobre a polaridade das moléculas. Que maçada! E lá fora um dia de sol, os passarinhos cantando, gente tomando um sorvete, jogando bola e andando de bicicleta.

Muita gente brinca que ensinam na escola coisas que nunca vamos usar na vida. Você é quem melhor pode dizer isso. Aprendeu coisas que nunca vai usar na vida, porque já não tem vida nenhuma.

Quantas coisas aborrecidas você foi obrigado a fazer no pouco tempo em que aqui esteve. Precisou pegar filas intermináveis, senhas que não chegavam nunca. Andou em ônibus lotados, foi espremido em ônibus lotados, mal conseguia se mexer. Nunca ninguém apareceu para lhe ceder lugar, porque isso é coisa que só se faz com os idosos, e você era jovem e, como tal, saudável. Tinha a vida toda pela frente e podia muito bem aguentar uns minutinhos em pé. Só que não. Só que você já estava morrendo. Só que aqueles eram os seus últimos dias, mas ninguém ali sabia disso, e por isso ninguém se esforçava para que os seus últimos dias fossem um pouco mais agradáveis. Então você sofreu, se irritou, reclamou muitas vezes, sem que ninguém aliviasse para você. Se ao menos as pessoas soubessem qual seria o seu destino!

Depois veio o vestibular. Você leu os dez livros de literatura que te obrigaram a ler. Gostou de uns, mas outros beiravam o insuportável. Mesmo assim, você seguiu em frente, leu todos eles. Mas de que lhe valeu isso? Você passou no vestibular, mas errou várias perguntas sobre esses livros, e depois que fez a matrícula da faculdade nunca mais se lembrou do que havia lido, contra a sua vontade, quando podia estar fazendo alguma outra coisa que gostasse, uma coisa que se faz quando já se está perto de morrer.

E a busca por emprego para ajudar a pagar a faculdade? Ninguém queria te dar um emprego. Não tiveram pena de você, alguém que em breve estaria a sete palmos do solo. Você estava atrás de um estágio na área, porque sabia que isso iria ajudar bastante na sua carreira, mas eu lhe pergunto: que carreira? Que carreira, se tudo acabou antes de você começar? Ah, você não conseguiu trabalhar na área, você teve que fazer coisas de que não gostava, coisas para as quais não tinha talento, e dizer que foi dessa maneira que passou os últimos tempos que esteve entre nós! E o dinheiro que foi para o INSS, o dinheiro para a sua aposentadoria? E aquele dinheiro que você guardava para comprar uma guitarra? Você nunca teve a sua guitarra, você nunca teve uma porção de coisas, pois essas coisas só viriam com o tempo que lhe negaram.

Quantas vezes você desabafou e o que mais lhe disseram foi que você ainda era jovem e que havia muito tempo para que as coisas acontecessem na sua vida. Que estranho modo você teve para provar que estava certo, que nunca mais haveria tempo, e que urgia encontrar soluções ali, imediatamente! Agora é tarde. Você se preparou a vida toda para coisas que não acontecerão nunca. E não há razões superiores que nos permitam enxergar isso com naturalidade.

Tags: Crônicajovemjovem mortomorte

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