Eu havia me afogado e comecei a descer para o fundo do mar. Foi quando tive a inusitada experiência de ver um nativo se afogar e afundar na minha frente, na direção dos abismos, enquanto eu havia me estabilizado.
Assim que perdi o homem de vista, e antes que eu pudesse formar melhor juízo sobre aquilo, o fenômeno se repetiu. Mais um homem começou a se afogar. Eu podia observar as suas expressões faciais e contemplar todo o pânico em seus movimentos. Ele não teve melhor sorte que o outro e, aos poucos, foi afundando. Reparei em sua roupa e me admirei ao constatar que era muito semelhante à de um pirata. Não existem mais piratas, pensei. E então me veio a ideia de que, por algum motivo, eu estava assistindo a um afogamento ocorrido há alguns séculos. Mas ele não se parecia nem um pouco com um espectro. Eu o via como uma pessoa real que se afogava hoje.
Nem bem o pirata desapareceu no fundo do mar e um novo afogamento teve início. Era incrível, mas um verdadeiro cortejo de afogados desfilava na frente de mim, aparentemente de outras épocas. Eu estimo que tenha visto uns 40 afogamentos. Assim que um terminava, outro começava. Nativos, piratas, marinheiros, homens, mulheres, crianças, havia de tudo. Eu não sabia se padeciam em uma tempestade, se eram vítimas de algum acidente, de algum crime ou se eram suicidas. A única coisa que eu sabia era que todos tentavam se salvar, mas se afogavam e passavam na minha frente rumo à escuridão do mar.
Eu estimo que tenha visto uns 40 afogamentos. Assim que um terminava, outro começava. Nativos, piratas, marinheiros, homens, mulheres, crianças, havia de tudo.
Houve um caso especial, que me impressionou mais do que tudo. Era uma mulher grávida, talvez europeia. Usava uma saia longa e brilhante. Como as roupas estavam molhadas, sua barriga de grávida era facilmente reconhecível. Ao contrário de todos os outros, que lutavam por suas próprias vidas, essa mulher estava mais preocupada com o seu filho. Ao afundar, ela abraçou a sua barriga, como que para protegê-lo. Subitamente, ela olhou diretamente na minha direção. Isso ainda não havia acontecido, era como se eu estivesse invisível para aqueles afogados. A mulher olhou para mim e, de alguma maneira, eu pude entender o que ela pensava. Era algo como “O que diabos você está fazendo aqui?”. Ela olhava para mim e eu sentia como se ela enxergasse a minha própria alma. Seu olhar realmente me atravessava. O meu pensamento era de quem não entendia o que estava acontecendo, de quem não tinha certeza nem de que aquilo fosse efetivamente parte da realidade. Também essa mulher, no entanto, foi se afastando.
À medida que novos afogados surgiam, senti que, lentamente, eu ia me deslocando mais para o fundo do mar. Os últimos eu avistei a uma enorme distância do nível do mar. Eram tantos que, depois de algum tempo, eu acabei me acostumando com o exótico desfile, e posso mesmo dizer que cheguei a me tranquilizar e experimentar uma serenidade que não me lembro de ter algum dia experimentado. Ao mesmo tempo, eu descia, eu descia, cada vez mais.
E então eu me dei conta do que acontecia, do que significava tudo aquilo, mas isso não me trouxe nenhuma inquietação. Foi, antes, até uma sensação de alívio, por perceber que, de alguma maneira, as coisas estavam do jeito que tinham que ser. Agora era com ternura e compreensão que eu contemplava os últimos afogados, cada marinheiro ou cada pirata falecido, como parecia, há muito tempo. É que eu havia, definitivamente, me tornado um deles.