Parecia um sonho, e provavelmente era. Estava eu no interior do país, na terra da minha mãe, mas não havia a tranquilidade que seria de se esperar em um ambiente como aquele. Muito pelo contrário, o lugar estava repleto de violência. Eu olhava ao redor e via homens se atirando uns contra os outros. Senti medo. Tentei me afastar daquelas brigas, mas foi em vão, pois eu me vi bem no meio da confusão. Havia gente arremessando coisas. Tentei verificar o que era que estavam arremessando e achei que seriam cocos. Ora, um coco deve machucar bastante. Fiz o possível para sair do meio daquelas lutas, mas um homem me viu, percebeu a minha movimentação. E tentou então impedir a minha fuga, arremessando um coco na minha direção. Felizmente, não me acertou, e eu continuei correndo. Coloquei os punhos na frente do meu rosto para me proteger de possíveis cocos.
Por sorte, deparei-me com uma casa e tratei de entrar imediatamente nela. Fechei a porta atrás de mim e parei para descansar. Ali eu estaria seguro, de algum modo eu sabia que nenhum daqueles homens violentos teria acesso a essa casa. Já mais tranquilo, eu comecei a olhar ao redor. Que casa era aquela? A princípio, estava vazia, o que me agradou, pois assim eu não precisaria justificar a minha presença ali. Mas qual não foi minha surpresa quando apareceu uma garota loira, da minha idade, pois eu era um garoto. Fiquei constrangido, não sabia o que dizer para me explicar, e apenas balbuciei alguma coisa que tinha esse sentido: “Tive que entrar aqui para fugir deles!”.
Mas minha inquietação era desnecessária, pois ela me lançou um olhar de total compreensão, sabia que era necessário fugir e achava muito natural que eu fosse me esconder ali dentro. Eu me perguntei se não era aquela a mulher, a irmã, a amiga, que venho procurando com obstinação durante toda a vida, a que me irá compreender integralmente e ao lado de quem eu me permitirei ser eu mesmo, sem reservas.
Éramos dois garotos, éramos duas crianças, e não havia nenhuma malícia dentro de nós. Ficamos brincando, enquanto o mundo se explodia lá fora.
Enquanto isso, o barulho lá fora aumentava, as brigas alcançavam um estágio ainda mais feroz, o que, por um instante, me fez duvidar de que aquela casa fosse tão inviolável. Pedi à garota que trancasse a porta, o que ela fez sorrindo. Estiquei o pescoço e vi o quarto da garota. Foi também para lá que ela se dirigiu, pedindo-me que a seguisse: “Vamos brincar, vem!”. Éramos dois garotos, éramos duas crianças, e não havia nenhuma malícia dentro de nós. Ficamos brincando, enquanto o mundo se explodia lá fora.
Durou isso um bom tempo, até que o barulho das brigas lá fora diminuísse e, finalmente, acabasse. Já não havia mais perigo algum. Podíamos sair de casa outra vez, e foi o que fizemos. Entretanto, já era tempo de eu me despedir e voltar para casa. Mas era tão difícil me despedir daquela garota! Ela me pediu que a visitasse um dia. Eu não queria outra coisa e respondi que sim, claro, eu voltaria. Mas a verdade é que não voltei até hoje, nunca mais eu a encontrei, não sei qual é o universo paralelo em que ela vive.
Tampouco faço ideia do que fazer para voltar a ser só um garoto e não ter malícia dentro de mim. Pior: cocos continuam sendo arremessados lá fora.