Engana-se quem acredita que amigos são para sempre. Muitos até podem ser, se houver novas experiências compartilhadas, tensões e distensões que conduzam a limpezas constantes do terreno para o replantio, e colheitas revigoradas. Senão, como tudo na vida, amizades nascem, crescem, florescendo e nos trazendo frutos, e, após cumprirem seu ciclo, podem começar a fenecer, serenamente ou não. Têm, enfim, seu prazo de validade, e isso não deveria ser razão para grandes dramas ou traumas: elas se incorporam a nossa história, e poderão ocupar por muito tempo um lugar significativo na memória, mas não devem, de forma alguma, ser mantidas vivas artificialmente, respirando por aparelhos.
Penso, sinceramente, que é muito pouco digno permitir que a inércia sirva como único alimento para um sentimento tão vital. Seria um paradoxo. A eternidade é um mito, que talvez por conta de nossa tradição cultural, ambicionamos ter como horizonte utópico, apostando tratar-se de algo tangível, ao alcance das mãos, e do espírito. Não é, felizmente talvez.
Gera, sem dúvida, inquietude a constatação dessa, que pode ser uma dura realidade, para quem deixa-se levar pela possibilidade polvilhada em nosso imaginário desde a infância, quando ouvimos que tudo acaba bem quando segue rumo ao infinito. Os desfechos na vida real são diferentes, e não necessariamente tão piores, desoladores. Apenas inconclusivos, reticentes e mutantes. Ter essa consciência demanda um bocado de coragem, que muitas vezes não somos estimulados a desenvolver, talvez por conta dessa dependência emocional do que deveria ser, em um mundo idealizado, imutável.
Tenho pavor da ideia de que a amizade, assim como qualquer relação que envolva afeto, e respeito, seja um fardo a ser carregado em nome do passado, do que já foi um dia vivido, e ficou para trás. Isso seria um tipo de rendição à conformidade, e sobretudo demonstração de medo da finitude, que apesar de inerente a todo e qualquer processo na vida, costuma ser colocada atrás da porta, ou trancada em cômodos remotos da casa, como uma parente enjeitada cuja existência insistimos em não reconhecer, ou legitimar.
“Tenho pavor da ideia de que a amizade, assim como qualquer relação que envolva afeto, e respeito, seja um fardo a ser carregado em nome do passado, do que já foi um dia vivido, e ficou para trás.”
Assim, prefiro acreditar que as amizades, caso não se renovem naturalmente, mereçam ter seus hiatos. Períodos durante os quais devemos aceitar os afastamentos e questionar se queremos, ou devemos, continuar a insistir nesses afetos que, talvez, tenham sido engolidos pela certeza, equivocada, de que nunca se esgotariam.
Não deixa de ser uma espécie de libertação quando percebemos que mais vale uma boa lembrança, guardada em lugar seguro, como algo raro e precioso, do que a insistência em um hábito inquestionável, em laços atados pelo receio da perda e do vazio que, inevitavelmente, essas relações tão especiais acabam deixando quando devanecem. Que as amizades, como disse o poeta sobre o amor, sejam eternas enquanto durem.