O triunfo catártico da adolescente maranhense Rayssa Leal na Olimpíada de Tóquio, onde ganhou a medalha de prata na prova de street skate, fez com que muita gente no Brasil parasse para lembrar e pensar no que estava fazendo da vida quando tinha a idade dela. Eu não fui exceção e fiz uma lista, um tanto aleatória.
Aos 13 anos…
…eu mudei do Rio de Janeiro de volta para Curitiba, minha cidade natal. Lá diziam que eu era do “Sul”, gaúcho talvez. Aqui, nos primeiros tempos, me apelidaram de carioca, por causa de meus “erres” e “esses”. Nunca mais deixei de ter esse sotaque sudestino.
…emprestei roupas de um tio, 15 anos mais velho, e um par de óculos, que eu não precisava, para não parecer tão novo e assistir a Embalos de Sábado à Noite, no Cine Ópera, que ficava na Avenida Luiz Xavier, em plena Boca Maldita. A censura era 16 anos e me deixaram entrar, com certo ar de desconfiança.
…nunca havia colocado os pés, ou qualquer parte do corpo, sobre um skate, mas, muitas vezes, fui à Praça do Gaúcho, assistir às manobras de outros garotos na pista ao lado da sorveteria que deu nome ao local. Não me lembro de, àquela época, ter visto qualquer garota, mais nova ou mais velha do que Rayssa, praticando o que à época não era visto propriamente como um esporte. As meninas apenas assistiam.
…sob a influência do já citado musical estrelado por John Travolta e pela novela Dancin’ Days, assinada por Gilberto Braga e protagonizada por Sonia Braga, passei a frequentar, sempre ao lado de uma prima querida, Hillene, as domingueiras vespertinas do Clube Thalia, na sede da Rua Comendador Araújo. Rodopiava na pista, onde havia até um globo de espelhos, com se não houvesse amanhã.
O triunfo catártico da adolescente maranhense Rayssa Leal na Olimpíada de Tóquio, onde ganhou a medalha de prata na prova de street skate, fez com que muita gente no Brasil parasse para lembrar e pensar no que estava fazendo da vida quando tinha a idade dela. Eu não fui exceção e fiz uma lista, um tanto aleatória.
…tentava convencer minha mãe a me permitir ir ao cinema à noite sozinho, sem muito sucesso. A permissão veio apenas quando já tinha 15 anos e meu pai, que ainda morava no Rio e estava aqui de visita, ajudou a convencê-la, me dando dinheiro para voltar de táxi para casa. Fui ver à meia-noite, no saudoso Cine Astor, na Voluntários da Patria, Hair, de Milos Forman. Durante a sessão, fui engolido por um fumacê de cannabis, que tomou conta da sala durante a sessão.
…acho que lia mais do que hoje, devorava livros. Descobri naqueles dias Erico Veríssimo (Olhai os Lírios do Campo), Jorge Amado (Capitães da Areia) e best sellers, como O Exorcista, de William Peter Blatty, que assombrou meus sonhos de adolescente por algumas noites.
…tive de me acostumar com o frio de Curitiba. Voltei a morar na cidade no meio do ano, em pleno inverno. Lembro de acordar muito cedo para ir ao colégio e, enquanto esperava o ônibus para o Centro, ficar encantado pelo vapor que saía da minha boca com as baixas temperaturas – a sensação que tenho hoje era de que eram mais baixas do que hoje. Não sei se eram.
…sonhava em ser escritor, viajar pelo mundo e economizava a mesada para comprar LPs na Brunetti e no Rei do Disco, lojas que também ficavam na Rua XV de Novembro, e, na Livraria Ghignone, revistas e semanários estrangeiros sobre cinema e música, como Rolling Stone e Melody Maker.
…sabia que vivíamos em uma ditadura militar, embora minha família não falasse muito sobre o assunto. Poucos professores ousavam abordar o tema e, se o faziam, era sempre à boca pequena, de forma indireta, tangencial. Canções, filmes e até novelas de televisão eram impedidas de chegar ao público. “Isso não vai passar pela censura” era uma frase corriqueira, quase naturalizada no dia a dia. Em casa, na escola e nos meios de comunicação, como se fosse algo banal. Disso, não tenho a menor saudade e é tudo que não desejo à nossa fada skatista, que merece crescer em um país melhor.