“Faça você mesmo” é uma lição valiosa que o movimento punk ensinou ao mundo nos anos 70. Dessacralizar a arte, a retirando de uma espécie de Olimpo para poucos, que ao mesmo tempo tivessem muito talento e condições favoráveis para fazê-lo florescer, deu ao cara comum a oportunidade de deixar sua marca no grito, chutando tanto os obstáculos físicos quanto os simbólicos. Realizar, de certa forma, tornou-se, também, uma questão de atitude, e ousadia. Dizer, expressar.
Passados quarenta anos, a potência dessa lição de certa forma reverbera. Criar, ainda que esbarre em mil e uma travas, é um direito de todos que respiram. Em um mundo ideal, bem que poderia se um dever! Percebo, entretanto, que há hoje uma visível tendência individualista. Os heróis solitários que de tudo fazem, assoviam e chupam cana ao mesmo tempo, são festejados como a salvação de um sistema que supervaloriza resultados e, convenientemente, despreza os processos, os terceirizando. “Traga pronto que eu pago.”
Os heróis solitários que de tudo fazem, assoviam e chupam cana ao mesmo tempo, são festejados como a salvação de um sistema que supervaloriza resultados e, convenientemente, despreza os processos, os terceirizando. ‘Traga pronto que eu pago.’
Percebo nessa guerra de foice no escuro, que valoriza quem joga em todas posições em benefício do lucro, um risco: a dissolução dos saberes coletivos, que só fazem real sentido quando buscam fazeres a muitas mãos, como numa ciranda. Há algo de intensamente mágico nas experiências compartilhadas que brotam de esforços conjuntos, da soma de talentos que se complementam, entrelaçando-se com um objetivo comum, sem que as individualidades sejam anuladas, mas, sim, potencializadas, porque o canto polifônico, quando bem harmonizado, não adestrado, pode ser ouvido de bem mais longe. Reverbera.
Sejamos mais punk na vida, e façamos diferença nós mesmos, sempre que possível, só que no plural mais do que no singular. E não esperemos vir sempre de fora (entenda como quiserem!) o estímulo, o impulso que tira a nave do chão. “Como se fora brincadeira de roda, jogo do trabalho na dança das mãos” são versos de uma canção* que na adolescência ouvi pela primeira vez e hoje ecoam com mais sentido do que nunca.
*”Redescobrir”, de Gonzaguinha.