Meio cabisbaixo, ele ficou observando a multidão que passava diante de seus olhos. No meio de tanta gente a passos apressados, empurrada pela urgência do dia a dia, era difícil identificar um rosto conhecido. Quase impossível. Mas ele insistiu: precisava dizer o que rondava sua cabeça, espremer seu coração retraído até que ele se inflasse e as palavras saíssem, ainda que confusas, desconexas, jorrando de suas artérias. Assim, ele conseguiria, finalmente, soltar no mundo o que guardava. Talvez tudo aquilo fosse parar na sola dos sapatos daquela gente, virasse poeira, ou se dispersasse como uma bruma ocasional que se vai antes que alguém entenda por que apareceu, de onde veio.
Sentimentos represados, ele sabia, são como uma fogueira intensa e mágica que, por um tempo, incendeiam a alma, até o momento de a fumaça invisível produzida por essa combustão emocional trancar a garganta, sufocar, fazer arder os olhos. E ele se sentia um tanto asfixiado, mas também de certa forma aliviado por ter conseguido reunir coragem suficiente para se levantar de sua comodidade e admitir para si mesmo que precisava, sobretudo, se ouvir dizendo aquelas palavras, que nem eram tantas assim, mas tão potentes.
Ele não se achava covarde, apenas com muito medo de que algo tão especial, e delicado, pudesse se desfazer quando viesse à tona, sob a forma de frases, verbo e predicado, afirmação. Andava cansado de deixar tudo nas entrelinhas, falar por metáforas, confiar na magia do não dito.
O movimento se intensificava e começava a garoar, turvando-lhe ainda mais a visão. Pensou em voltar atrás, recuar. Alguém se aproximou, tocou no seu ombro. Por um instante pensou que tivesse chegado a hora. “Você pode me dizer as horas?”, perguntou um estranho, de olhar impaciente, como se estivesse atrasado. “Tarde demais”, quis responder. “Hora de esquecer e tocar sua vida!”. Acabou esboçando um sorriso ao pensar na reação do sujeito ao ouvir essas respostas malcriadas.
O movimento se intensificava e começava a garoar, turvando-lhe ainda mais a visão. Pensou em voltar atrás, recuar. Alguém se aproximou, tocou no seu ombro. Por um instante pensou que tivesse chegado a hora. “Você pode me dizer as horas?”, perguntou um estranho, de olhar impaciente, como se estivesse atrasado. “Tarde demais”, quis responder.
Depois de uma olhadela em seu relógio de pulso, já umedecido pela chuva fina, acabou lhe dando a informação. O rapaz agradeceu com a cabeça e partiu, em busca da marquise de um prédio vizinho para se proteger. “Onde será que ele vai?”, ele se indagou, pensando que quase todos ali deveriam ter motivos para andar mais apressadamente, com o coração acelerado pela ansiedade.
Ouviu dizer que essa sensação é prova de vida, em certa medida saudável porque acaba impulsionando, colocando você em marcha. Talvez fosse mesmo verdade. Ou apenas uma daquelas frases feitas, consolo disfarçado de conselho. A ansiedade o consumia às vezes.
Ele queria, no fundo, ser percebido quando não estava por perto. Não sabia o que diabos estava fazendo ali naquelas rua de pedestres, embaixo de chuva, à espera de alguém que talvez só existisse em sua imaginação, mas tinha de persistir, até que tudo ao seu redor se aquietasse, a noite se instalasse e, lentamente, ele conseguisse erguer sua cabeça. E falaro que tinha a dizer, deixando, enfim, sua alma flutuar como uma pluma.
A crônica de hoje é inspirada pela canção “Creep”, da banda britânica Radiohead.