Em 2022, o Brasil terá de olhar para si mesmo. Serão comemoradas, ao longo do ano, duas datas essenciais à cultura e à história do país. Em fevereiro, a Semana de Arte Moderna, ocorrida em São Paulo em 1922, completa cem anos. Sete meses mais tarde, celebraremos o Bicentenário da Independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822. Enquanto esta marca a ruptura do país com o domínio da metrópole, o Reino de Portugal, aquela está vinculada a outro processo de tensionamento, o das artes feitas no Brasil com suas matrizes europeias, em uma busca por referências temáticas e formais em suas raízes mais profundas, fincadas no próprio solo.
Em 2 de outubro de 2022, iremos às urnas não apenas escolher o próximo presidente da República, mas, também, governadores, senadores e deputados federais. Após praticamente dois anos de pandemia, será como emergir das profundezas de um mar de águas muito turvas e incertas, para tentar enxergar algum tipo de horizonte, e estender nosso olhar para um futuro talvez melhor.
Em fevereiro, a Semana de Arte Moderna, ocorrida em São Paulo em 1922, completa cem anos. Sete meses mais tarde, celebraremos o Bicentenário da Independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822.
Ainda que tenha sido um movimento circunscrito à cidade de São Paulo, capitaneado por intelectuais e artistas oriundos, em grande parte da elite paulista, a Semana de Arte Moderna e o que ela propõe são, ainda hoje, trampolins valiosos para alçarmos voos e mergulharmos no que já fomos, ainda somos e ainda poderemos ser culturalmente.
Passados quase cem anos, obras como o romance Macunaíma, de Mario de Andrade, a peça teatral O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, e a arte de Tarsila do Amaral, ainda nos instigam e confrontam. Por quê? Talvez porque seguimos excessivamente norteados por referenciais coloniais e eurocêntricos. É, mesmo hoje, com um misto de surpresa e encanto exótico que nos deparamos com a potente produção de artistas indígenas, da estatura de Gustavo Caboco, nascido aqui mesmo entre nós, em Curitiba, e o amazonense Danilson Baniwa, ou com a vigorosa literatura de uma Conceição Evaristo, a maior escritora afrodescendente viva.
Independência
Falaremos também, em 2022, sobre o significado daquele 7 de setembro há 200 anos. Ficamos, de fato, independentes, ou submissos a outras forças políticas e econômicas, que permitiram a d. Pedro I, herdeiro da Coroa Portuguesa, tornar-se imperador de uma espécie de delírio tropical?
O processo que desembocou no tal grito às margens do Ipiranga também não foi tão plácido quanto a historiografia oficial por muito tempo fez os brasileiros acreditarem. Na segunda década do século 19, o Brasil era um país mergulhado em conflitos, assim como a Europa de onde a família real portuguesa fugira 14 anos antes, para escapar das tropas de Napoleão Bonaparte que invadiram a Península Ibérica em nome de uma França imperial.
Havia muita divergência no Brasil, tumulto mesmo, no Norte, no Nordeste, no Sul. Ninguém parecia se entender a respeito dos rumos que o imenso território da América portuguesa deveria tomar. Segundo o jornalista paranaense Laurentino Gomes, em seu livro 1822, “havia monarquistas leais à Coroa Portuguesa, federalistas e republicanos. E até quem sonhasse com um Brasil independente, sob o governo imperial de d. Pedro”.
Aos 24 anos, o voluntarioso príncipe teve diante de si um dilema tão gigantesco quanto as vastas dimensões de seu futuro reino. E, certamente, muito será discutido sobre isso.
A cineasta Laís Bodanzky, de Bicho de Sete Cabeças, lançará o longa-metragem A Viagem de Pedro, que se passa em 1831, durante a travessia do Atlântico, pelo ex-imperador do Brasil, em uma fragata inglesa rumo à Europa. Pedro, vivido por Cauã Raymond, se vê doente e inseguro. mas busca forças físicas e emocionais para enfrentar seu irmão que usurpou seu reino em Portugal. Parte do Brasil em busca de si mesmo. Em 2022, nós estaremos em busca do Brasil.