Um dos grandes choques de minha infância foi descobrir, meio ao acaso, em uma conversa sussurrada de família, que havia perdido um irmão. Não tinha sido exatamente uma morte trágica. Mas, para mim, foi.
Não devia ter mais do que 10 anos quando, ao chegar mais cedo do colégio, fiquei sabendo da história: minha mãe engravidara quando eu ainda era bebê de colo, e após me carregar em um braço e uma sacola de compras em outro, por três andares de escadas no prédio onde morávamos na Rua Brigadeiro Franco, em Curitiba, ela havia começado a se sentir mal e sofreu um aborto espontâneo. Nunca tivera coragem de me contar o ocorrido. Talvez com medo da minha reação.
Saber a verdade daquela forma foi um choque. Havia passado toda a infância fantasiando como seria a vida com um irmão, alguém com quem pudesse compartilhar o cotidiano, e a solidão de uma meninice itinerante que passou por três estados, várias mudanças de colégio, e uma série de vínculos rompidos antes que se consolidassem.
Passei dias alimentando um sentimento ruim que aos poucos foi me envenenando. Eu, indiretamente, havia sido responsável pelo que havia acontecido. Merecia, portanto, todo meu infortúnio de filho único.
Ao mesmo tempo em que amargava essa “culpa”, ficava imaginando como seria esse irmão – era sempre um outro menino. E decidi, por conta dos livros de Monteiro Lobato que andava devorando naqueles tempos, que ele seria o Pedrinho, do Sítio do Picapau Amarelo. Um garoto destemido, versado nos mistérios da natureza, capaz de subir em árvores, correr atrás de onças no meio do mato, um ás do bodoque. O meu oposto, enfim.
Além de filho único, eu era o que hoje chamam por aí de piá de prédio. Embora fosse bastante independente – tive minha própria chave de casa muito cedo –, e já gostasse muito de música, literatura, cinema e fosse um aluno aplicado, no fundo sonhava mesmo em ser um moleque de pé descalço, algo inconsequente. E Pedrinho era meu herói secreto, que automaticamente se transformou no irmão que nunca havia nascido.
Ser filho único, para muitos, tem lá suas vantagens. Eu nunca vi nenhuma. Enquanto muitos colegas pareciam invejar o fato de ter toda a atenção dos meus pais para mim, eu via naquilo um fardo gigantesco: significava corresponder a todas as suas expectativas. O excesso de cuidados por vezes era sufocante e, como quase toda criança, mais tarde vim a descobrir, eu sonhava com outra vida.
Ser filho único, para muitos, tem lá suas vantagens. Eu nunca vi nenhuma.
Demorou algum tempo, meses talvez, até que eu tivesse coragem de tocar no assunto com a minha mãe, por conta de uma redação que acabei escrevendo no colégio e chegou às suas mãos graças à minha professora de Português. “Ele escreve muito bem, mas parece estar tão triste”, disse a ela com cuidado dona Yolanda, a quem eu devo muito da minha paixão pelos livros.
Recebi um pedido de desculpas por eu ter descoberto a história daquela forma, e que não havia motivos para eu me sentir responsável pelo acontecido. Nos três primeiros meses de gravidez, toda gestação pode mesmo ser de risco e os abortos espontâneos são bem mais comuns do que se imagina.
E eu nem era tão pesado assim, minha mãe tentou brincar, me abraçando.
Aos poucos, a sensação de perda foi se diluindo. Mas confesso que nunca esqueci totalmente desse irmão imaginado, que de alguma forma ainda segue brincando em algum recanto do meu inconsciente, como se estivesse à minha espera.