Há algo identitário no frio curitibano. Quando o céu se coalha de nuvens, forrando-se de um branco congestionado, e o ar gelado sutilmente nos acaricia o rosto, alguma coisa acontece. É como se um despertador soasse. A cidade, de alguma forma, parece fazer mais sentido, revelando-se como uma flor invernal.
Já não se vê nas ruas o velho hábito de esfregar as mãos para esquentá-las, gesto geralmente acompanhado de pequenos saltos, quase imperceptíveis. Como são raros hoje os dias nos quais, geralmente logo após o nascer do sol, soltamos vapor pela boca, indício do choque térmico entre nossa temperatura corporal, mais elevada, e a baixa temperatura ambiente. Talvez seja o aquecimento global que aos poucos está desconstruindo nossa identidade.
Há algo identitário no frio curitibano. Quando o céu se coalha de nuvens, forrando-se de um branco congestionado, e o ar gelado sutilmente nos acaricia o rosto, alguma coisa acontece. É como se um despertador soasse.
Essas imagens do passado aos poucos se desfazem na memória, como se pertencessem a outra geografia, a outros tempos. Talvez por isso mesmo que o despencar nos termômetros venha quase sempre acompanhado de inevitável nostalgia, e também de uma sensação de pertencimento. Somos um pouco esse frio que, ao mesmo tempo, provoca desconforto e busca por aconchego.
É um clichê explicar o curitibano pelo clima literalmente. Seria uma solução simplória para um teorema bem mais complexo, Os russos, por exemplo, são um povo sanguíneo, explosivo, a despeito do frio abissal que já os protegeu de Napoleão e dos nazistas e os impulsionou à vitória. Alguns chamam o Paraná de a Rússia brasileira, mais por conta do seu caráter por vezes excêntrico. Nunca estive na terra de Dostoiévski, então prefiro agasalhar-me e sair à rua, para festejar o outono lá fora.