Há exatos dois domingos, no dia 8 de janeiro, David Bowie faria 70 anos. Eu estava em Edimburgo, bela cidade da Escócia, no norte da Grã-Bretanha, e descobri, meio ao acaso, graças a um cartaz afixado na parede de um café bem discreto perto do hotel, que uma tradicional casa de shows local, chamada Citrus Club, faria uma festa em homenagem ao artista camaleônico. Não hesitei e decidi na hora: “Eu vou!”.
Bowie, que morreu em 2016, menos de uma semana depois de seu aniversário, é um dos poucos ídolos da minha adolescência que resistiu, inabalável, em meu hoje bastante seleto panteão de heróis. Talvez porque nunca tenha buscado dar respostas definitivas sobre nada, e tenha feito da transformação e da impermanência suas marcas registradas e indeléveis. Era coerente em sua busca pela contradição.
O tal pôster dizia que a festa, embalada por duas bandas cover, The Normans e The Bowie Blinders, além de DJs, começaria às 19 horas. Achei melhor não me atrasar, para não desafiar a tradição britânica da pontualidade, que embora não seja de todo infalível, faz quase sempre justiça à fama. Saí do hotel por volta das 18h30, e com passos mais ou menos apressados, atravessei parte do Centro da cidade, umedecido por uma garoa fina, rumo ao clube, um dos mais antigos de Edimburgo. Estava excitado e feliz, como um garoto que vai assistir ao show de sua banda favorita.
Há exatos dois domingos, no dia 8 de janeiro, David Bowie faria 70 anos. Eu estava em Edimburgo, bela cidade da Escócia, no norte da Grã-Bretanha, e descobri, meio ao acaso, graças a um cartaz afixado na parede um café bem discreto perto do hotel, que uma tradicional casa de shows local, chamada Citrus Club, faria uma festa em homenagem ao artista camaleônico. Não hesitei e decidi na hora: ‘Eu vou!’.
Nesta época do ano, a noite começa a cair na Grã-Bretanha antes das 17 horas, e fora a iluminação eficiente dos postes, apenas uma bela Lua clareava o céu escocês, algo nublado, de inverno. A primeira impressão ao chegar a meu destino foi desanimadora. Havia uns poucos gatos pingados, quase todos na faixa dos 50 e 60 anos, senão mais, muitos com camisetas estampadas com a imagem de Bowie, espalhados diante do palco, sentados em cadeiras, enquanto um DJ alternava canções da muitas fases da carreira do White Duke, como o cantor era conhecido entre seus conterrâneos. Ninguém se mexia muito.
A maior parte sorvia pints e mais pints de cerveja, outros tomavam bebidas mais fortes, todos sentados, como se estivessem em uma festa de família, falando baixo, na sua. Olhando mais atentamente, contudo, comecei a achar o público muito curioso: eu me dei conta de que muitos deles não apenas eram da geração de Bowie, mas, provavelmente, o haviam visto ao vivo, prazer que tive uma vez na vida, em 1998, na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba.
Lentamente, puxados por uma jovem brasileira que eu não conhecia, e com quem não cheguei a conversar, mas parecia saber de cor todo o repertório de Bowie, alguns começaram a se levantar para dançar, e a casa foi enchendo lentamente, até que a primeira banda, The Normans, começasse a tocar os acordes iniciais de “Five Years”, uma das minha faixas prediletas do emblemático álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. E muitos começassem, por encanto, a cantar junto, em uma noite que aos poucos foi ficando mais e mais arrepiante.
Olhei ao meu redor e percebi que, nesta sua inusitada festa de 70 anos, agora quase lotada, Bowie havia conseguido reunir gente de 70, 60, 50, 40, 30 e até menos de 20. Héteros, gays, trans, brancos, negros, asiáticos, latinos, cantando e dançando suas músicas, em absurda harmonia e comunhão por quase duas horas e meia. Sim, podemos “We can be heroes for just one day!”
Sim todos podemos ser heróis, nem que seja por um dia apenas.