Está tudo no fim, andam dizendo. Prefiro não torcer contra, embora a tentação seja grande, quase inevitável. Afinal, restam a bordo alguns velhos companheiros de guerra, marinheiros muito honrados.
Um ano hoje. Minha vida foi atropelada por uma reviravolta até certo ponto anunciada, mas que me tirou o chão por algum tempo. Fiquei a boiar no vazio à espera do momento certo para dar as primeiras braçadas. Não poderia ser diferente: quase duas décadas de serviços prestados, em uma intensa jornada, com seus revezes e triunfos, nos vários andares desse grande navio que agora percebo desgovernado, sem rumo.
Quando você vai ao mar, deixando para trás nacos de sua vida, não tem muito como não doer. E fingir que é fácil torna-se um exercício tolo de autoengano. É preciso, no entanto, perceber que a orquestra já não toca em seu ritmo: muitos dos músicos não são mais os mesmos, a partitura é outra, estranhamente reescrita, e não emociona mais ninguém. Melhor assistir ao possível naufrágio desse Titanic, com um misto de pesar e alívio, à distância.
Toda a mudança vem com um preço. Exige um bocado de esforço para manter a cabeça fora d’água, movimentos mais vigorosos e, acima de tudo, a vontade de manter-se à tona. Olhar o céu estrelado, em busca de inspiração e uma rota mais segura, ajuda muito. Respirar fundo, também.
É preciso, no entanto, perceber que a orquestra já não toca em seu ritmo: muitos dos músicos não são mais os mesmos, a partitura é outra, estranhamente reescrita, e não emociona mais ninguém. Melhor assistir ao possível naufrágio desse Titanic, com um misto de pesar e alívio, à distância.
Parece que foi ontem, e sinto como se um século tivesse se passado. Essa contradição só entende quem viveu. Agora olho através da escotilha de uma nova nau compartilhada por inspirados marujos, uma embarcação de dimensões bem mais realistas e modestas do que as do transatlântico que parece ir a pique. Os meus companheiros confiam mais em si mesmos, e na paixão pela vela, do que em um Deus seletivo que escolhe quem merece suas bençãos, por dançarem conforme a música.
Talvez o grande barco não sucumba nem se perca no fundo do oceano. Torço para que muitos saiam vivos, e que a carcaça cumpra seu destino. Seja ele qual for. Sigo navegando.