O tempo por vezes necessita de uma régua. Para medir não apenas dias, semanas, meses, anos ou décadas. Mas, talvez, para mensurar o que ele é capaz de moldar dentro de nós, já que as transformações externas são mesmo visíveis, embora muitos resistam a essa constatação tão óbvia. Em 1993, eu estava na Pedreira Paulo Leminski para assistir ao primeiro show de Paul McCartney em Curitiba. Não tinha nem três anos de formado em Jornalismo e minha ligação com os Beatles vinha de casa: o sobrado de meus avós maternos no bairro Rebouças havia sido, na década de 1960, um fã-clube improvisado do quarteto britânico na cidade.
O irmão mais novo da minha mãe, Júlio, era adolescente quando a banda surgiu para mudar para sempre o conceito de música popular no mundo e ele tinha pelos Fab Four uma paixão tão grande que o fez pintar retratos a óleo de John, Paul, George Ringo, além de reproduzir em telas e grandes painéis capas dos LPs do grupo de Liverpool. Lembro-me que seu bem mais precioso, no entanto, era uma espécie de estojo de plástico azul, onde mantinha todos os compactos simples lançados no Brasil desde o início da carreira. Primeiro com o selo da Odeon e, mais tarde, com o da Apple, muito antes de Steve Jobs criar a sua maçã bilionária.
Creio que só fui, de fato, ouvir Beatles após o fim da banda: em 1970, quando eu tinha 5 anos. Mas foi ouvindo esses singles – “We Can Work It Out”, “Help”, “Eleonor Rigby”, “Penny Lane”, “Yesterday” e “Michelle”, entre muitos outros – que fui sendo convertido, aos poucos, em fã.
Espelho-me no homem de 76 anos que vi no Estádio Couto Pereira, tão imenso em sua arte que colocou na palma de sua mão 45 mil pessoas. Entrou em campo com a partida ganha, mas não foi preguiçoso: jogou como numa final de Copa do Mundo. Lembrou-me da impressão que comigo havia me deixado há 26 anos: é tão gentil e leve, a despeito do inegável peso de sua genialidade.
A expectativa para assistir ao primeiro concerto de Paul em minha cidade natal era imensa. Até porque também acompanhava de perto sua carreira solo, e suas canções, como “Maybe, I’m Amazed”, “Band on the Run” e “No More Lonely Nights”, embalaram minha infância e adolescência. A sensação que tive há 26 anos, e que se repetiu no último sábado, foi a de que estava prestes a receber em casa a visita de um velho conhecido, de alguém tão profundamente ligado à minha história, que as emoções já estavam à flor da pele antes mesmo dos primeiros acordes.
Muito mudou na minha vida desde 1993. Minha mãe e meu tio morreram e o sobrado na Alferes Poli agora está vazio de tantas formas, que para mim por vezes é difícil suportar. O irônico é que o homem que hoje sou é mais feliz do que aquele jovem que viu seu beatle favorito pela primeira vez no Pilarzinho. Estou mais próximo de minha essência, da minha verdade, ainda que minhas pernas e minha coluna já não suportem tão bem tantas horas de pé.
Espelho-me no homem de 76 anos que vi sábado passado no Estádio Couto Pereira, tão imenso em sua arte que colocou na palma de sua mão 45 mil pessoas. Entrou em campo com a partida ganha, mas não foi preguiçoso: jogou como numa final de Copa do Mundo. Lembrou-me da impressão que comigo havia me deixado há 26 anos: é tão gentil e leve, a despeito do inegável peso de sua genialidade.
Havia muitos jovens no estádio, que talvez sequer tinham nascido quando Paul veio pela primeira vez a Curitiba. Antes do início do show, alguns cantavam canções dos Beatles e o chamavam de “Paulo”, intimidade que me fez sorrir. Entraram em transe quando ele apareceu em cena, guitarra em punho, e o encantamento deles, bem mais explícito do que o meu em qualquer época, me fizeram pensar na eternidade da arte e na beleza de estar diante de Paul, pela primeira ou pela segunda vez,