Os limites entre o público e o privado andam embaralhados, tênues demais. As redes sociais, e principalmente a forma como são utilizadas, tornaram quase transparentes as paredes da intimidade, espetacularizando o que deveria, em tese, ser essencialmente pessoal. Quase sem querer, mas por impulso de um (talvez) perverso exibicionismo não tão inconsciente assim, fornecem-se pistas, ou muito mais, a quem se delicia com a vida dos outros – e não somos poucos. Seria hipócrita fingir nunca ter caído em tentação, por isso uso, com certa culpa, a primeira pessoa do plural.
Somos complexos, multifacetados e, muitas vezes, revelamos ao mundo apenas fragmentos do que somos, vivemos, sentimos em nossa vida privada. O resto, em um passado não tão distante assim, costumava ser mantido em certo recato. Mas, de uns tempos para cá, percebe-se em uma crescente necessidade, que beira, eu diria, o narcisismo, de tudo expor, de trazer a público desde sentimentos e inquietações, sejam elas existenciais, sentimentais ou políticas, até acontecimentos que vão do início (ou fim) de um relacionamento a doenças e mudanças, por vezes abruptas, na vida profissional.
Os limites entre o público e o privado andam embaralhados, tênues demais. As redes sociais, e principalmente a forma como são utilizadas, tornaram quase transparentes as paredes da intimidade, espetacularizando o que deveria, em tese, ser essencialmente pessoal.
Essas autonarrativas, certamente editadas, manipuladas, de forma mais ou menos consciente, nos dão a frágil ilusão de estarmos menos sós, de alguma forma interligados, e também nos coloca à mostra em uma imensa praça pública virtual. Nela, busca-se afago, conforto, aprovação, todos anseios humanos legítimos. Acontece que essa exposição planejada também acarreta vulnerabilidade: os julgamentos, muitas vezes cruéis e precipitados, por serem baseados em impressões superficiais, são inevitáveis. Assim, também não são poucos os que se permitem o direito de tudo julgar, incapazes do exercício da empatia.
Em meio a tudo isso, é incômoda a sensação de que a intimidade, tão preciosa, banaliza-se, como se fosse um bem menor, quando, na realidade, trata-se de um território sagrado para o exercício do que podemos chamar de essência. Todos temos direito a segredos. Não expor ou revelar, quem diria, tornou-se um ato subversivo e libertário.