A nova velha direita despreza ativismos, engajamento, e tenta, a todo e qualquer custo, desacreditar quem tem convicções, ideais, usando estratégias covardes e muito simplificadoras. Arte engajada? Nem pensar. Na tentativa de desconstruir quem tem convicções sustentadas em argumentações sólidas e na observação atenta do mundo, sem falar de valores estéticos, as “pessoas de bem” reduzem tudo a um substantivo que, pelo menos para mim, se transformou numa seta envenenada, disparada pela zarabatana conservadora: tudo virou “lacração”.
Para quem tem medo do inclusivo, do que foge aos padrões e dogmas, qualquer ponto fora de curva é um portal conectado direto ao inferno. Só isso explica, por exemplo, o ódio exacerbado por uma artista como Pabllo Vittar. “Não canta nada”, “Quer ser mulher, mas usa nome de macho”, “Zero talento”, “Rainha da lacração”. Já vi chamarem a cantora (sim, substantivo feminino, aquela que canta) de tudo, para desconstruí-la. Em minha (não tão) humilde opinião, todo esse desprezo revela, sobretudo, desconforto com a própria sexualidade, intolerância com o que desestabiliza frágeis certezas, sem falar de um puta elitismo – senão esnobismo – cultural.
A nova velha direita despreza ativismos, engajamento, e tenta, a todo e qualquer custo, desacreditar quem tem convicções, ideais, usando estratégias covardes e muito simplificadoras. Arte engajada? Nem pensar.
Há quase duas semanas, Pabllo lotou uma casa noturna de Curitiba, a Spazio Van, com mais de duas mil pessoas, onde foi ovacionada com fervor quase religioso por um público com sede de representatividade. Mas não foi apenas a comunidade LGBTI+ que enfrentou filas sob chuva naquele sábado à noite. Havia, também, heterossexuais: pais, irmãos, amigos e muitos fãs. Gente que simpatiza com a causa, e percebe que a drag queen não quer ofender, ou confrontar, mas, sim, se impor, com graça e vigor, e, digo sem hesitar, muito talento. Quem não enxerga, perdão, usa as viseiras do preconceito. Foi lindo, acreditem! Existe amor em Curitiba, sim.
O esquadrão anti-lacração anda torcendo nariz até para a forte possibilidade de Pantera Negra ser o primeiro longa-metragem de super-herói indicado ao Oscar de melhor filme. “Só porque é filme de preto”, “Ah, que superestimado!”. Na última semana, a produção da Marvel, dirigida e estrelada por negros, foi indicada ao Globo de Ouro e sua trilha sonora, ao Grammy de álbum do ano. Seu tema principal, a bela canção “All the Starz”, um misto de R&B contemporâneo e hip-hop, gravada pelo rapper Kendrick Lamar, vencedor do prêmio Pulitzer, e pela cantora SZA, disputa o Globo de Ouro e o Grammy, nas prestigiadas categorias de melhor canção e gravação do ano, entre outros. Mas lá vem a ladainha: “Melô da Lacração”.
Dá vontade de pedir para pararem o mundo, e descer, mas melhor não. Resistir para ver o desespero de quem não gosta do que instiga, e é diferente com qualidade, e contraria a regra, pode ser um prazer e tanto. “Deixa que digam/ Que pensem, que falem/ Deixa isso prá lá!”. Prefiro lacrar!