Escrevo de um país distante. De um lugar onde me refugiei voluntariamente porque optei pelo exílio. O afastamento me pareceu a escolha mais segura: cansei do medo de me expressar, dos olhares inquisidores, da falta de empatia que endurecem o tempo presente. Na mala, guardei alguns livros e filmes de cabeceira, roupas que abraçam meu corpo, dando-me conforto, e algumas fotos de família, não digitalizadas, que sempre me lembrarão quem sou e de onde vim. Mãe, avó, amigos. Parti sem avisar, ou deixar endereço. Não sei se quero que saibam onde estou, não por enquanto, porém não apago meus rastros.
Escrevo de uma casa escondida em um bosque, de madeira e tijolos, não tão espaçosa, mas ampla o suficiente para que eu não tropece em mim mesmo, na saudade conformada que me acompanha, ou em meus fantasmas interiores. Da janela, vejo árvores de copas exuberantes, altas. Também ouço as águas de um riacho que não consigo visualizar, mas está bem próximo, escondido pela vegetação. Esse som líquido, constante, embala meu sono, mais leve desde minha fuga planejada. Sinto-me um pouco como o escritor e filósofo transcendentalista Henry David Thoreau, que mergulhou na natureza, afastando-se por um tempo da civilização, experiência relatada em sua obra-prima, Walden, ou a Vida nos Bosques, de 1854.
Escrevo de um país distante. De um lugar onde me refugiei voluntariamente porque optei pelo exílio. O afastamento me pareceu a escolha mais segura: cansei do medo de me expressar, dos olhares inquisidores, da falta de empatia que endurecem o tempo presente.
Vez ou outra converso com meus vizinhos, que pouca ou nenhuma noção têm de meu passado, de onde eu vim, ou por que passo dias inteiros a ler, ouvir música ou simplesmente a olhar o horizonte, em silêncio, de minha sacada. Talvez pensem que estou triste, melancólico. às vezes com alguma razão. Confesso, no entanto, que me percebo mais leve, alegre até, porque tenho evitado notícias. Essa alienação planejada tem garantido minha sanidade, e me pego cantando sem mais nem por quê.
Esse país distante de onde escrevo não fica longe de onde estive. Pelo contrário – não houve grande deslocamento geográfico. O caminho percorrido foi existencial, interno. Nessa terra por mim inventada, como reação aos temporais cruéis dos últimos meses, é um lugar de serenidade, de quietude. Desisti dos que gritam, e recusam-se a ouvir, dos que têm opiniões inflexíveis sobre tudo e evitam o silêncio, e não olham nos olhos. Compus minha própria canção de exílio e a entoo quando sinto o peito esvaziar. É a minha forma de resistência.