A vida começa lentamente a voltar à normalidade. Trabalho presencial, idas a restaurantes, filmes no cinema, viagens. Um passo de cada vez, pelo menos para mim, que procurei respeitar todas as medidas sanitárias e, até hoje, não ponho os pés para fora de casa sem máscara. A não ser quando me esqueço, e daí sinto-me muito culpado, quando me dou conta, mesmo que esteja a poucos metros de meu prédio.
Essa reconexão com a vida que eu levava antes de março de 2020, por mais desejada que seja, também vem acompanhada de certa ansiedade, e de algum receio. Pode ser que nada seja como antes, e eu já não me reconheça em situações triviais que se desnaturalizaram na minha rotina. Só o tempo dirá, porque tudo que eu vivi, pelo que a humanidade passou e testemunhou, há de ter impactos em nossas percepções do mundo concreto, das relações interpessoais.
Essa reconexão com a vida que eu levava antes de março de 2020, por mais desejada que seja, também vem acompanhada de certa ansiedade, e de algum receio. Pode ser que nada seja como antes, e eu já não me reconheça em situações triviais que se desnaturalizaram na minha rotina.
Há duas semanas assisti a um filme no cinema pela primeira vez em mais de um ano e meio. Ansiava pelo momento em que estaria diante de uma tela maior do que eu, em comunhão com estranhos, num ritual coletivo que sempre foi tão especial para mim.
O fato de estar de máscara, em um ambiente fechado, por mais de duas horas, me deixou um tanto sufocado, inquieto. Foi frustrante que as luzes da sala de exibição não tivessem sido apagadas na hora certa, quando a projeção iniciou, e não conseguia parar de pensar nas diferentes formas de o coronavírus circular enquanto James Bond desviava de tiros diante de meus olhos. Foi muito bom, mas também não foi. Paradoxos.
Voltar a dar aulas, a ver meus alunos de perto, e olhá-los nos olhos, tem sido o melhor. Até porque eu nunca havia visto muitos deles de perto, somente através da tela do computador, isso quando abriam suas câmeras. A interação em sala de aula, a sinergia que emana desses encontros, fazem uma diferença imensa para mim. É uma pulsação difícil de colocar em palavras, mas tem a ver com estar em movimento. Mentalmente.
Em breve voltarei a sair à noite, a encontrar amigos e conhecidos em bares, e ousar alguns abraços, tudo com cautela, porque a pandemia ainda não terminou, embora muitos insistam em acreditar que sim. Viver de forma calculada, medindo cada passo, em uma cultura que tanto valoriza a espontaneidade como a nossa, pode nos ter de alguma forma reconfigurado.
Creio, no entanto, que desse período todo talvez tenha ficado como um legado positivo, entre tantas perdas e medos, a necessidade de olhar para dentro, de ter uma vida interior que seja capaz, senão de compensar, mas de nos preparar para compreender as dores que acumulamos.
Há dias em que me sinto mais velho, às vezes mais maduro, mas certamente vou me lembrar de tudo isso como um tempo de introspecção e de apego ao mínimo, ao simples e ao rotineiro. Não quero perder isso de vista. Pensando bem, isso valeu a pena.