Olho para a tela do computador, que me enfrenta com a frieza dos que não querem se envolver com nada que não lhes diga respeito. Fria, asséptica e alheia aos meus dilemas. Minha vontade é deixá-la assim, em branco, acesa e inerte. As máquinas, afinal, são apenas aparatos que nos servem, e dos quais dependemos, mas desprovidos de alma, ou identidade. A despeito das imaginações prodigiosas de gênios como Isaac Asimov, Ray Bradbury e Arthur C. Clarke, mestres da ficção científica, elas ainda não tomaram conta do meu mundo. Pelo menos quero acreditar que não.
Embora já não consiga mais imaginar uma vida despida por completo de tecnologia, a mudez pálida que me encara, mais para indiferente do que para inquisidora, lembra-me que ainda cabe a mim, o humano nessa complicada relação utilitária, fazer tudo acontecer: alcançar as teclas como meus dedos, para deixar minha prosa fluir. Gostaria que fosse uma carta a meus amigos, porém não estou certo de que serei capaz.
Ando pensando muito sobre como são importantes os afetos, mesmo quando deles nos escondemos, fingindo deles não depender. Eu preciso sentir amor, e não digo isso com a humilde arrogância de quem se orgulha de ser capaz de sentimentos elevados. Sem amar, a vida murcha como uma flor que não vê a luz solar, ou não recebe a benção da água a molhar-lhe as pétalas. O amor, inclusive aquele que dedicamos a nós mesmos, é imprescindível como o oxigênio. Somos nada sem ele.
Amar e escrever precisam de fogo, de desejo, da vontade de estar aqui e ao mesmo tempo em outro lugar, um pé cá e outro lá. Entre o firme e o infinito.
Percebo que a tela em branco começa a ganhar letras, palavras, frases, pensamentos confusos que brotam de meu cérebro e escorrem pelas minhas veias, músculos, ossos e articulações, até chegar às minhas duas mãos, aos dedos que tornam possível esse encontro. Escrever é, para mim, como fazer amor: uma expressão profunda, que não sei muito bem de onde vem, porque flui como carícias, beijos, abraços, afagos. Escrevo para abraçar, para me sentir mais perto de minha humanidade, da essência que coloca minha alma em combustão.
Amar e escrever precisam de fogo, de desejo, da vontade de estar aqui e ao mesmo tempo em outro lugar, um pé cá e outro lá. Entre o firme e o infinito.
A tela do computador já não me intimida, porque me vejo nela refletido, transformado nos pensamentos que brotam de mim porque não perdi a capacidade de me encantar com o quase nada que é a vida cotidiana e suas reticências.
Queria escrever, como já disse, uma carta para meus amigos e, de alguma forma, creio que já escrevi, ao confessar aqui minha dependência de meus sentimentos, os que me movem, e me fazem acordar cedo, tomar banho e sair de casa para trabalhar. Viver, enfim. Tenho amor pela vida mesmo quando ela me atormenta, porque sem ela sou uma tela em branco, acesa e inerte. E preciso me escrever.