Se todo carnaval tem seu fim, a quarentena há, um dia, de acabar. Mas não por decreto, ou porque a economia, a política e todas as formas possíveis de consumo desejam que eu saia de casa, para que as engrenagens do mercado voltem a funcionar a todo vapor. E, sim, porque a vida venceu a morte, o vírus já não é mais um perigo real e imediato, e não seremos mais vítimas de nós mesmos. Daí, quero colocar o bloco na rua, como dizia o título daquela canção de Sérgio Sampaio, clássico da MPB dos anos 1970.
Quando for seguro por os pés para fora de casa sem medo, ou culpa, desejo sair bem cedo de manhã e andar por horas sem rota traçada, percorrer as ruas do Centro, entrar nas lojas, dizer bom dia várias vezes, fuçar nas prateleiras, comer pastel, beber cerveja gelada e me sentar no banco de alguma praça para observar a vida acontecer.
E também quero, ou melhor, preciso, ir ao cinema, de preferência para ver um, dois, três filmes. E pouco importa se forem bons ou não. Tenho visto e revisto muita coisa interessante nestes meses de pandemia reclusa, assim não tenho do que reclamar. Acontece que sinto uma falta danada do ritual todo de comprar os ingressos, esperar para entrar na sala, achar os lugares, ver as luzes diminuírem até se apagarem completamente; e mesmo dos trailers, por vezes infindáveis, eu tenho alguma saudade. Quando o filme, de fato, começar, quero submergir, deixar-me enganar, me perder de mim para, lá no fundo desse mergulho, me reencontrar.
Que a conversa termine numa mesa de bar e o lugar esteja cheio de conversas, olhares, abraços, vozes que se sobrepõem, música alta, pratos, talheres, copos, aglomeração, balbúrdia. Como vai ser bom pedir licença para passar, gente! Estar a menos de um metro de outros seres humanos.
Daí, no momento em que os letreiros subirem, e eu já tiver saciado minha sede de imagens e sons no escuro, quero sair discutindo o que vi, ler nas entrelinhas, viajar nos múltiplos sentidos da narrativa, das imagens, mesmo que eles inexistam e não digam tudo que enxerguei. Que a conversa termine numa mesa de bar e o lugar esteja cheio de conversas, olhares, abraços, vozes que se sobrepõem, música alta, pratos, talheres, copos, aglomeração, balbúrdia. Como vai ser bom pedir licença para passar, gente! Estar a menos de um metro de outros seres humanos.
“Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar”, diz o filósofo Friedrich Nietzsche, por meio de seu personagem, o sábio Zaratustra. Assim, quando tudo isso acabar, e o bar estiver prestes a fechar, quero terminar minha celebração colocando meu corpo em movimento. E festejar o privilégio de estar vivo.