A origem etimológica da palavra isolamento é poética. Em italiano, isola significa ilha, aquele pedaço de mundo, pequeno ou grande, cercado de água por todos os lados. Há três meses nos transformamos, de certa forma, em ilhas, nas quais, em alguns dias, somos como Robinson Crusoé, personagem que dá título ao livro de Daniel Defoe, que na adolescência li como um romance de aventuras e hoje enxergo com outros olhos: é uma obra iluminista sobre a arrogância eurocêntrica do colonizador. Seu protagonista, ao zarpar rumo ao desconhecido, crê que tudo sabe. Até naufragar.
Lançado em 1719, ou seja há mais de 300 anos, o romance de Defoe resistiu ao tempo porque, a despeito de estar diretamente ligado ao mercantilismo, à expansão do Império Britânico, que à época se estendia por todo o globo terrestre, o livro conta uma história atemporal. Fala de individualismo, então um conceito de existência ainda revolucionário, de alguém que ousa partir, aventurar-se. Leva consigo a certeza de que, homem cultivado que é, o mundo, mesmo vasto, de certa forma está à sua disposição, para seu deleite. Até descobrir-se só na natureza selvagem, em um lugar onde todos os seus saberes de pouco ou nada valem.
Há três meses nos transformamos, de certa forma, em ilhas, nas quais, em alguns dias, somos como Robinson Crusoé, personagem que dá título ao livro de Daniel Defoe, que na adolescência li como um romance de aventuras e hoje enxergo com outros olhos: é uma obra iluminista sobre a arrogância eurocêntrica do colonizador.
O exílio forçado de Robinson, seu desterro, dura 28 anos, tempo suficiente para que muitas de suas certezas de certa forma se diluam, mas não sua arrogância: ele busca replicar junto aos indígenas que cruzam seu caminho uma dinâmica de poder que o coloca no centro, como uma espécie de rei colonizador. Torna-se patético, sobretudo em relação ao nativo que batiza de Sexta-feira, em referência ao dia em que conhece o autóctone. Tenta subjugá-lo, dele fazer seu servo. Afinal, uma vez colonizador sempre colonizador. Mas sempre falha porque, no fundo, Robinson é apenas uma sombra, uma farsa.
A ameaça invisível que, em 2020, nos leva ao isolamento também nos força, de certa maneira, a repensar o mundo em que vivemos, a “civilização” que, há até pouco tempo, nos protegia e, agora, se esfacela. revelando suas rachaduras de fragilidade. Alguns negam ou minimizam a existência do inimigo, numa vã tentativa de manutenção de um conceito de poder que justifica suas existências. Acreditar no potencial destruidor de um vírus é admitir a pequenez de seu mundo, a fragilidade ridícula de suas certezas, a insignificância do que julgam (ou julgamos) representar.
Ainda há tempo para sermos menos Robinson, ou eliminá-lo como modelo, e aprendermos com a ilha.