Ele se protege como pode. Reza as preces que aprendeu, mas não se vê religioso. Tem fé. Acredita na força do que não vê, e segue em frente porque duvida de quem insiste muito em olhar para trás, como se tivesse derrubado algo precioso na estrada. Costuma dizer que todos deixamos cair pedaços valiosos de nós mesmos ao longo do caminho, porque a vida, se a levarmos inteira no lombo, pesa demais. A solução é ir largando, desapegar do que já não tem muita serventia, e viajar mais leve. Ele tem noção do muito do que já ficou nas curvas por onde passou, mas já não lamenta nem faz as contas. Apenas segue.
Seu rosto é um mapa repleto de caminhos que se perdem em rotas enoveladas. Ao mesmo tempo em elas escondem, revelam. Também é uma face em forma de paisagem. Ele diz muito com os olhos vivos, brilhantes, sempre interessados em ouvir. Sim, escuta com um jeito que também parece contar histórias em silêncio, porque aqueles dois faróis iluminados estão sempre a perambular, como passarinhos que saltam de galho em galho, vasculhando tudo, em busca de algo que prefere nunca dizer, mas sim narrar, fabular.
Não é desses que gosta muito de falar o que ronda seus pensamentos. Brinca com as palavras, ri, gargalha até, mas desvia do ímpeto de expressar o que se passa no seu peito. Dá de ombros, como se não valesse a pena, ou tivesse preguiça jogar seus pensamentos no mundo. Há tanto por aí, afinal.
Costuma dizer que todos deixamos cair pedaços valiosos de nós mesmos ao longo do caminho, porque a vida, se a levarmos inteira no lombo, pesa demais. A solução é ir largando, desapegar do que já não tem muita serventia, e viajar mais leve.
Não faz muito sentido dar-lhe nome aqui porque não sei se iria gostar. É sujeito discreto, que não gosta de chamar atenção para si. Talvez até esconda por trás desse despojamento todo um bocado de vaidade envergonhada, que prefere despir diante do espelho quando ninguém está olhando, na intimidade. Vai saber!
É fascinante perceber que esse personagem que aqui ganha forma, como se um espírito estivesse a soprá-lo nos meus ouvidos, como um conto, é alguém que existe no momento em que começo a nele pensar, o imaginando ao meu lado, a me fazer companhia, a existir para além da ficção. Ele me chama pelo seu nome e eu sorrio, porque de certa forma entendo quem ele é, sem precisar desvendá-lo. Basta percebê-lo de verdade. Como a própria vida, sem que ela perca seu mistério.