Sempre fiz questão de esquecer o 28 de abril. Neste dia, há 20 anos, minha mãe morreu. Eu estava na redação da Gazeta do Povo, onde era editor de Cultura, quando me ligaram do hospital para avisar que ela havia entrado em coma. Lutou com medo e bravura contra um melanoma durante um pouco mais de um ano, mas os últimos dois meses foram duros. Com metástase cerebral, sofreu demais, e foi perdendo a capacidade de andar, depois de falar e, no fim, já internada, restava apenas mantê-la confortável e esperar o inevitável.
Hoje faz 20 anos que ela partiu, não muito tempo depois de eu chegar a seu quarto naquela manhã. Eu estava presente, perto. Isso me conforta. Ao meu lado, meu pai, de quem era separada há quase 25 anos, mas veio da Bahia, onde ele morava, para estar próximo. Foram namorados de adolescência e continuavam amigos. Sua presença ali fazia sentido. Também estavam lá pessoas da família, um primo que ela tinha como um irmão. Foi o dia mais triste da minha vida, que durante todo esse tempo deliberadamente apaguei do calendário. Mas hoje faço questão de lembrá-lo, nos mínimos detalhes. Por nós dois.
Há mais de um mês estou em casa, de quarentena e, talvez porque a morte se tornou um tema presente, cada vez mais recorrente, pensar no 28 de abril ficou incontornável. À época eu tinha 35 anos, hoje tenho quase a idade que minha mãe tinha quando ela foi embora. Eu não a vi envelhecer. Engraçado hoje pensar nos 22 anos que nos separavam. Mãe e filho, mas também amigos íntimos, cúmplices.
Para escrever este texto recorro a Stevie Wonder. Na minha primeira vitrola portátil, com capa de plástico, vermelha, ouvíamos juntos os LPs. Talking Book era o favorito. Ela cantava junto, dançava enquanto limpava a casa no apartamento de dois quartos onde morávamos em Copacabana. Linda, de olhos fechados.
Há mais de um mês estou em casa, de quarentena e, talvez porque a morte se tornou um tema presente, cada vez mais recorrente, pensar no 28 de abril ficou incontornável. À época eu tinha 35 anos, hoje tenho quase a idade que minha mãe tinha quando foi embora. Eu não a vi envelhecer. Engraçado hoje pensar nos 22 anos que nos separavam. Mãe e filho, mas também amigos íntimos, cúmplices.
Eu e ela, ela e eu, quando meu pai se mudou, saiu de cena, em 1976. Foram dias bem difíceis para ela, que se separou de seu primeiro amor (não foi o último) e viu-se sozinha, longe da família, de sua cidade natal, com um filho de 10 anos para criar. Mas sobreviveu, redescobriu a alegria de viver.
Pisciana como eu, Maria amava o mar. Como morávamos perto da praia, ela nunca abriu mão de olhar o Atlântico, que a pacificava. Ia só, mansamente, como se fosse um ritual, que hoje entendo mais do que nunca. Somos muito parecidos na melancolia e na esperança. Como ela, não apenas gosto, mas preciso às vezes da solidão para me reconectar com o essencial. Ela sempre foi mais silêncio do que barulho. Eu, também.
Muito aconteceu nestes 20 anos e gostaria de lhe contar sobre meus dias, e saber dos seus sonhos, mas me acostumei com a ausência. A saudade persiste, e vem em ondas. O amor, onde elas se quebram, é rocha. Eterno, aqui dentro.