Nunca pensei muito na possibilidade, ainda que remota, de me tornar um herói de qualquer espécie. Há quem busque esse destino, ou sonhe com ele, por desejo, ambição, e desde a infância queira muito salvar o mundo. Jamais tive muita vocação para desempenhar esse papel, embora reconheça sua importância nas muitas tramas da vida.
Quis, sim, ocupar a função do narrador, aquele que observa e escuta, atentamente, a realidade. Talvez para contá-la em suas palavras, enxergando nas entrelinhas o que há de belo, estranho, mágico ou mesmo assustador na existência humana.
Sou, confesso sem muito pudor, daqueles que se sentam em um canto, de preferência em alguma mesa pouco evidente, mas que disponha de uma visão ampla do salão. E daí procuro absorver cada detalhe, adivinhar o que dizem os sussurros, interpretar os não ditos. Ah, como é belo o que não é tão visível!
Sou, confesso sem muito pudor, daqueles que se sentam em um canto, de preferência em alguma mesa pouco evidente, mas que disponha de uma visão ampla do salão. E daí procuro absorver cada detalhe, adivinhar o que dizem os sussurros, interpretar os não ditos. Ah, como é belo o que não é tão visível!
Gosto muito de observar o baile, de perceber os movimentos todos – gestos, trocas de olhares, toques, amores e humores. Esse exercício me permite criar, mentalmente, histórias que muitas vezes não correspondem exatamente aos fatos, mas me permitem imaginar, tecer enredos, que ganham vida e me transportam. Nessas dimensões quase inventadas, creio que encontre inspiração para compreender o que chamam de realidade, que não deixa de ser uma espécie de ficção, inventada a partir de acontecimentos ditos reais, que isolados talvez façam pouco ou nenhum sentido.
Ao som dessa valsa, chego até mesmo a dançar muitas vezes, e, ainda que sentado, acompanho o ritmo com os pés e as pontas dos dedos. Discretamente, mas com entusiasmo. Assim são os mais introvertidos, os que se fazem notar pelo quase silêncio, pela reticência.