Chet Baker cantava o drama de se apaixonar muito fácil ou rápido demais. “My heart should be well schooled/ ‘cause I’ve been fooled in the past/ still I fall in love too easily/ I fall in love too fast”, canta o jazzista triste enterrado ao lado do aeroporto de Los Angeles. Posso dizer que, em toda minha vida, sofri desse mal algumas vezes — por pessoas. Aeroporto é diferente. Por aeroportos, tive apenas duas paixões, instantâneas e lancinantes, repletas de razões que meu coração encontrou com a velocidade de quem vive à flor da pele.
A primeira paixão de aeroporto foi o Schipol, em Amsterdã, com suas formas lógicas e placas amarelas sobre as quais, felizmente, não preciso me alongar, já que Alain de Botton se deu ao trabalho em A Arte de Viajar. Quero falar da segunda vez que caí de amores por um aeroporto. Foi pelo Atatürk, de Istambul.
Longe de estar relacionado a qualquer estrutura física de sua natureza, a calibragem da flecha do cupido foi a vida pulsante do lugar. Quando pela primeira vez cheguei ao aeroporto, para uma escala rápida, cheio de sono pelo fuso horário adiantado e cansado pelas agruras de se viajar na classe econômica, recebi um choque diante da babilônia que se descortinava em filas de migração. Tive a nítida constatação de estar no centro do mundo e na junção entre os distintos universos do Ocidente e Oriente.
Como em uma harmônica savana, vi a fauna se deslocar em bandos. Australianos com suas papetes e cabelos loiros, indianos com seus topetes e bigodes sobre a pele marrom escura, africanos de todas as etnias com suas batas coloridas, americanos idosos, jovens coreanos, cardumes de chineses, manadas de turcos, matilhas de italianos, cáfilas marroquinas. Mulheres ostentando decotes e escondendo cabeças com hijabs, ou corpos com xadores, ou tudo com burcas. Idiomas sonoros, hostis, áridos ou extremamente líquidos (às vezes áridos e líquidos ao mesmo tempo) enchiam o ar entre anúncios de partidas e reclames por passageiros atrasados. Pessoas perfumadas e inacreditavelmente fedorentas, de todas as formas, cores, tamanhos, costumes e culturas.
Quando pela primeira vez cheguei ao aeroporto, para uma escala rápida, cheio de sono pelo fuso horário adiantado e cansado pelas agruras de se viajar na classe econômica, recebi um choque diante da babilônia que se descortinava em filas de migração. Tive a nítida constatação de estar no centro do mundo e na junção entre os distintos universos do Ocidente e Oriente.
Ao fundo, no saguão de embarque, o imponente retrato de Mustafa Kemal Atatürk — não aquele de olhar morto, bigode e barrete turco da época em que comandava a campanha de Galípoli, mas o pai da Turquia moderna, patrono da secularização, cabelo lambido para trás e flor de lapela a contemplar o infinito, como um pôster banal de Frank Sinatra que decoraria a lareira de qualquer aficionado.
A multidão específica embaixo daquele quadro específico é a foz de milênios de história antes e depois do instante presente, das invasões goturcas aos mandos e desmandos de Erdogan; das expansões de Suleiman às chacinas dos três paxás; as vitórias sobre as cruzadas e as derrotas da Grande Guerra, a essência das civilizações ocidentais e orientais. Todo aquele som, toda aquela gente, um turbilhão que se encontra e se despede tão facilmente quanto a decolagem de um Boeing. Não tenho dúvidas, e nem meu coração: Constantinopla ainda é aqui.