Há algo de sentimental no ato de panificação e confeitaria que o cinema e a literatura já exploraram de maneira incipiente e subjetiva, sem nunca dizer o seu nome. Não que se trate de descuido ou preguiça, mas coloco a ausência de aprofundamento do tema no mistério enorme que as práticas encerram. O açúcar e a farinha, outrora um oásis de energia, hoje consistem em componentes dispensável em algumas dietas, de modo que o esforço para equilibrar a massa, o doce, a gordura e a fibra ganha ares de ourivesaria diante de nossas urgências funcionais.
Há algo de sentimental no ato de panificação e conteitaria que o cinema e a literatura já exploraram de maneira incipiente e subjetiva, sem nunca dizer o seu nome.
Uma olhada rápida em qualquer um desses vídeos de um minuto ou dois em velocidade acelerada sobre a confecção de um bolo ou um cookie mostra que a panificação e a confeitaria são as duas áreas da gastronomia para as quais o mise en place, a apresentação e o empratamento ainda são itens mandatórios no processo.
É claro que um bolo de tabuleiro guarda seu valor intrínseco na corrida pelo coração dos doceiros, mas a quantidade de bisnaga, corante e prato giratório necessário para fazer um bolo de encher os olhos faz evidencia em qualquer doce o luxo em que consiste o tipo da comida. Nota paralela: no filme Jogos Vorazes, baseado no livro homônimo de Suzanne Collins, há um personagem habitante de um distrito cuja população morre de fome e que aprendeu a se camuflar decorando bolos na confeitaria do distrito. Não é preciso a explicação preliminar desses primeiros parágrafos para perceber a incongruência do fato: quem morre de fome não decora bolo.
Temos dificuldade, enquanto espécie, de desassociar preciosismo de carinho – mesmo quando é apenas ego. Em se tratando de algo que será terminantemente destruído por quem come, o que é um macaron senão um traço de finesse sem lugar no mundo? Como parar o motor da história e a locomotiva da rotina para sentar e comer uma massa que se deforma desagradavelmente ao toque um pouco mais brusco? O carinho da mão que toca a massa de suspiro é o mesmo que repara em sua beleza. Enquanto os doces existirem em sua forma artesanal, continuaremos ternos.
Às vezes é o único tipo de conforto que um doce pode trazer.