Em algum lugar do mundo – o mais provável é que seja em diversos lugares do mundo – existe uma fábrica de pênis de borracha. Consolo. Dildo. Um dos aparelhos masturbatórios não eletrônicos mais usados do mundo é produzido em escala industrial em variados modelos, formatos e atributos, e as pessoas os compram, às vezes até mais de um, por razões igualmente variadas. Eu não sei onde ficam as fábricas de pênis de borracha, mas sei que as há porque sei que pênis de borracha não é algo encontrado espontaneamente na natureza.
Nessa fábrica, que, repito, existe em algum lugar do planeta e deve estar a pleno vapor enquanto você lê esse texto, a borracha é colocada no molde de um pênis, que por sua vez foi retirada a partir do corpo de um ator pornô ou modelo de genitália, caso isso seja um emprego válido. Outro funcionário retira a borracha do molde e molha a glande do pênis de borracha em uma tintura avermelhada para que se pareça mais com uma glande real. A seguir, artistas e pintores industriais delicadamente realçam as veias do pênis com uma tinta escura e, autocríticos de sua própria função, avaliam se aquilo se parece com uma veia peniana real ou se a coisa está mais pra caricata, o que poderia ser um desastre caso o usuário caia em uma súbita reflexão existencial enquanto desfruta de seu brinquedo masturbatório. “O que eu estou fazendo com a minha vida? Esse pênis é grosseiramente falso, olha essas veias!” seria um comentário catastrófico para um artista da fábrica de pênis de borracha, por isso cada um se esmera para que o detalhe não quebre a quarta parede num infeliz rompante brechtiano. Outros artesãos costuram pentelhos sintéticos na base do pênis de borracha para aumentar o poder de simulação, sempre com o mesmo cuidado de produzir um “efeito do real”, como talvez Roland Barthes escrevesse, caso tivesse visitado uma fábrica de pênis de borracha.
Terminado o processo, vem o controle de qualidade. Pessoas experts em pênis de borracha avaliam a qualidade dos pênis de borracha fabricados. Seguram nele e avaliam peso, consistência, os detalhes artísticos, reprovam os reprováveis e passam os passáveis não sem um feedback certeiro sobre como melhorar a produção de pênis. Atenta os da esteira de produção sobre o detalhe das veias, explica aos iniciantes como deve ser uma glande bem feita e condena os prepúcios grosseiros. São hierarquicamente superiores aos artesãos, razão pela qual um deles ouve a demanda de um operário, que deseja um aumento. Acredita que tem mão boa para fabricar pênis de borracha, e acha que mereceria ganhar mais por isso. Não estraga lotes com seu trabalho e é pontual. Nunca se enrola quando o assunto é fabricar pênis de borracha. O supervisor diz que vai pensar.
Lá em cima, na mesa diretora, os acionistas se reúnem para ouvir as projeções dos próximos trimestres. Eles estão preocupados em não vender tantos pênis de borracha, razão pela qual o presidente e o vice-presidente perderam o sono por semanas a fio bolando maneiras de vender mais pênis de borracha. Pensam que é um produto que deveria se vender sozinho, o que já remete à filosofias de travesseiro sobre a solidão das pessoas e sobre a autogratificação na pós-modernidade. Mas para fins comerciais, isso serve de muito pouco. O segredo, pensa um deles, é melhorar o setor de logística e a distribuição, aliado a um marketing ostensivo, porém discreto, em revistas e sites personalizados.
Nessa fábrica, que, repito, existe em algum lugar do planeta e deve estar a pleno vapor enquanto você lê esse texto, a borracha é colocada no molde de um pênis, que por sua vez foi retirada a partir do corpo de um ator pornô ou modelo de genitália, caso isso seja um emprego válido.
A webstore também vai mal, é preciso explicar direito que a embalagem que chega pelo correio é discreta e não entrega o conteúdo. Por fim, não economizar em matéria-prima por mais tentador que possa parecer. Menos discartes, mais aproveitamento de unidade por lote. Novos modelos e clientes fidelizados. Tudo isso é apresentado em um power point delicadamente trabalhado e ilustrado com mais pênis de borracha ao lado de gráficos, quem sabe alguns engraçados, em que as barras têm formatos de pênis. Os acionistas riem, sabem que estão investindo em um ramo inusitado, mas mantêm a seriedade porque muito dinheiro está em jogo. A crise econômica mundial é o pesadelo da indústria de supérfluos, e um pênis de borracha é meramente um facilitador para uma necessidade a ser sanada. Os acionistas entendem isso, a presidência também. Eles concordam com as projeções, os novos investimentos e as medidas a serem tomadas. Todos tomam um coffee-break pensando em como seria bom se as pessoas precisassem mais de pênis de borracha.
Do lado de fora, uma caçamba comporta os rejeitos. Em alguns casos a borracha não pode ser reciclada, e a fábrica trabalha com uma margem aceitável de perda de unidades por lote, razão pela qual há uma caçamba semanal que é levada por um caminhão a um aterro sanitário. O motorista não pensa no que está carregando. Sabe que seria motivo de piada para os outros caminhoneiros caso soubessem de seu trabalho. De certa maneira, todos que trabalham na fábrica de pênis de borracha têm suas vergonhas, seus tabus e seus dilemas morais a serem enfrentados em um nível diário, principalmente nas casas em que há crianças. Então ele simplesmente carrega o lote de pintos de borracha falhos para o aterro. Lá, alguns catadores de lixo aproveitam alguns para estofar móveis e usá-los eles mesmos.
Todos precisam de consolos sexuais. Provavelmente neste exato momento uma pessoa muito pobre está dentro de um barraco de compensado construído ás margens de um aterro sanitário usando um pênis de borracha que achou no lixo, como um Ilha das Flores do sexo solitário. Você não consegue rir disso, é triste demais. Mas a sua preocupação não freia os inaudíveis orgasmos dos excluídos. E assim você segue. E a fábrica de pênis de borracha continua trabalhando, dia e noite, colocando mais e mais pênis de borracha no planeta Terra.