1- Roma, como disse um amigo italiano, é uma bela mulher que há muito tempo deixou de se importar por causa de seu relacionamento abusivo de anos com seu marido: os romanos. Os caras falam maravilhas da gata e tratam ela que nem lixo. O que vemos é uma cidade que vive principalmente do turismo e faz muito pouco esforço para manter qualquer hospitalidade turística. Os ônibus e os trens são deteriorados, por tudo se paga e os preços não são muito convidativos. Antipatia é o tom principal, mas ainda são uns doces perto dos franceses.
2- Mesmo assim, estar em Roma foi surpreendentemente agradável para mim, que estava desanimado com a ideia. Uma cidade que é metrópole e sítio arqueológico ao mesmo tempo guarda em si uma aura de exotismo que poucos lugares no mundo têm, e colocam as coisas em perspectiva de uma forma única. Parafraseando o que certa vez escreveu Morris West: como sustentar qualquer senso de permanência quando se vai para o trabalho todos os dias pisando sobre imperadores mortos?
3- Ao contrário de outras civilizações, em que estereótipos podem ser ofensivos e inclusive começar brigas, a Itália sobrevive de seus clichês, e se encontraria desnudada de seus orgulhos de outra forma. Pizzarias por toda esquina, referências incontáveis à renascença e ao Vaticano, homenagens ao Mário dos videogames não deixam muito espaço para Umberto Eco, Gramsci ou Fellini (nomes que seriam exaltados ad nauseam se fossem nascidos em países com histórias menos fervilhantes). Por exemplo, em Erevan, na Armênia, onde estive no ano passado, há uma praça Charles Aznavour, um complexo esportivo Karen Dermichyan e não duvido que, em breve, uma avenida System of a Down. Não há espaço em Roma para novos heróis nacionais.
4- O Brasil me deixou com o pé atrás com os vinhos do Lazio. 100% dos chianti que tomei na terrinha foram detestáveis, e achei que Roma era sinal de vinho ruim. Descobri nos últimos dias que chianti não só é um vinho muito bom como também é mais barato do que, digamos, os vinhos toscanos ou piamonteses, como o Barbera d’Asti, que preciso dar um jeito de achar no Brasil também.
5- Come-se e bebe-se muito bem na Itália, mas o tamanho dos pratos e a quantidade de massa servida me faz questionar como esse povo faz pra manter o physique-de-rôle mediterrâneo sexy. Qualquer menu de restaurante é composto por um antipasti (uma bruschetta, por exemplo), um primi piati (um pratão de macarronada), um secondi (algo com carne, geralmente), e uma sobremesa ou um café, tudo acompanhado por um cálice de vinho. Não entendo.
Roma, como disse um amigo italiano, é uma bela mulher que há muito tempo deixou de se importar por causa de seu relacionamento abusivo de anos com seu marido: os romanos. Os caras falam maravilhas da gata e tratam ela que nem lixo.
6- Sobre as pizzas: existe uma distância abismal entre o que chamam de pizza e é vendida nas portinhas de rua e o que se serve nos restaurantes. O padrão da massa quase sempre é alto, mas a maneira como é servida (muitas vezes fria e velha) é questionável. E, para longe dos padrões puristas que impomos aos outros enquanto enchemos as nossas comidas de catupiry e strogonoff, a pizza italiana pode ser de qualquer coisa (até de camarão com alface eu vi). Alguém botou ketchup na pizza em algum momento, se não me engano. Não eu.
7- A influência Italiana no Brasil mostra suas origens em Roma. A inoperância de certas áreas — como as de telefonia (um chip pré-pago na Itália é caríssimo) e transporte (as tabacarias que vendem bilhetes frequentemente estão sem nenhum) — e certas leis estúpidas, como a que proíbe a venda de bebida alcoólica no mercado nos dias em que há festival de música ou partidas de futebol envolvendo um dos dois times principais da cidade, o Lazio e o Roma, são inúteis quando qualquer bar serve garrafas de vinho que você pode carregar. Enfim, é cosa nostra.
8- Além da pizza, outro negócio permanentemente em alta em Roma é o da fila. Com atrações lotadas de turistas, como o coliseu e o museu do Vaticano, é comum cobrar uma taxa extra em um tipo de ingresso que promete furar a fila. Na verdade, troca-se uma fila de duas horas por outra de vinte minutos. Há quem diga valer a pena. Outras atrações, como a Galeria Borghese, só disponibiliza ingresso mediante reserva antecipada de dias, o que me fez perder de ver o Rapto de Proserpina e um ou outro Caravaggio com olhos de vaca. Além disso, guias turísticos prosperam aliciando pessoas exaustas em filas quilométricas com a promessa de tours guiados com filas menores, mediante uma taxa alta. Mentes mais fracas cedem, but If you’re gonna be dumb you better be tough. Bebi vinho o bastante na fila do Vaticano para esquecer o fato de que estava entrando em um país cuja alta cúpula é conivente e alcoviteira dos casos de pedofilia endêmica que já não são mais segredo pra ninguém. Eu espero pacientemente. Se até Roma caiu.