Sempre interpretei um tom acusatório na música da Simone sobre o Natal. Aquele “O que você fez?” seco, sem maiores qualificadores, me interpelando como a inquisição espanhola, é o suprassumo da indispensável tradição cristã de te deixar apreensivo mesmo sem ter feito nada de errado. Pois bem, acontece que de uns tempos para cá deixei de ler essa frase como cristão e comecei a ler como um budista. A necessidade de passar o ano em revista urge diante da velocidade exponencial do tempo. E o tempo, ao contrário do que diz o clichê, pode ser exorável nessas condições.
Sempre interpretei um tom acusatório na música da Simone sobre o Natal. Aquele ‘O que você fez?’ seco, sem maiores qualificadores, me interpelando como a inquisição espanhola, é o suprassumo da indispensável tradição cristã de te deixar apreensivo mesmo sem ter feito nada de errado.
Fazer o tempo passar devagar é uma arte que envolve um controle do estado de ansiedade no qual somos arremessados pelos maremotos de informação e projeção, mas também requer uma dose importante de felicidade imaterial: a infame joie de vivre, comumente associada a bobos-alegres contumazes e falecidos em retrospecto. Mas qual seria a vantagem de um tempo que se arrasta e, mais importante, por que haveríamos de desejar tal monstruosidade da experiência, quando tudo o que fazemos é pilar as areias da ampulheta em direção ao dia de folga, às férias e às datas importantes?
Admito que parece haver uma divergência de objetivos logo de saída na resolução deste problema, mas em verdade vos digo que a divergência é meramente de referencial. Pois se estamos correndo para desfrutar de nosso tempo livre o quanto antes, podemos, da mesma forma, fazer do nosso tempo não-livre um momento desfrutável. Nisso, sim, pode consistir um desafio, já que trabalho não é feito para ser gostoso. Para isso não tenho maiores conselhos além do básico: respirar, viver o presente, e, claro, repassar os grandes feitos do ano quando uma data como essa lhe impõe a indagação.
Deixar o tempo ser açoitado pelas rédeas soltas da busca pelo ócio é uma saída fácil, mas é importante lembrar que a carruagem do tempo tampouco vai diminuir o trote naquele momento de lazer. De curtas e bestas, já bastam as crônicas de fim de ano.